Ensino-pesquisa-extensão
Vocês pode chegar numa água e dimirá ela que ces vê ela fazendo as letra, e todo tipo de letra ela faz. Eu descobri isso vendo no rio
Essa fala é de uma das entrevistadas de um podcast que aborda questões sobre alimentação, saúde e poder, o Prato Cheio. No episódio “Ninguém vai morrer de sede nas margens do rio”, Dona Malvina comenta sobre a morte de vários riachos na região devido à captação de água para o agronegócio. Ela fala do gemido do rio e do seu silêncio atual. No decorrer do episódio, vamos conhecendo mais sobre a história e os desafios das comunidades locais e aprendendo sobre os saberes e tecnologias desenvolvidos por elas ao longo dos tempos.
A fala de Dona Malvina exemplifica um tipo de saber que, na academia, costumamos denominar como saber popular, tradicional ou ancestral. Vamos tomá-la como mote para a análise das possibilidades de integração entre ensino, pesquisa e extensão no planejamento didático-pedagógico expresso no plano de ensino.
Ensino, pesquisa e extensão são dimensões formativas inter-relacionadas, porém, com suas especificidades. A ideia de indissociabilidade entre elas tem sua origem nos debates sobre o lugar da universidade no seio da sociedade. Esta concepção decorre da compreensão de um conhecimento científico em permanente diálogo com as demandas sociais. Na EPT, a questão tem sido tratada em relação ao compromisso com as demandas sociais e com o desenvolvimento do país.
O desenvolvimento da autonomia do educando é um ponto particularmente importante para a concepção de EPT aqui defendida. A pesquisa é um
essencial, capaz de estimular a passagem da curiosidade ingênua para a curiosidade epistemológica (em termos freireanos), ou do senso comum para a consciência filosófica, em termos gramscianos.A atitude investigativa impõe a reflexão crítica necessária à problematização para a ressignificação dos saberes. Instiga a curiosidade sobre o que está ao nosso redor e dentro de nós, levando à inquietação e ao não aceite das naturalizações e da inevitabilidade, estabelecendo uma postura de busca por soluções teóricas e práticas. É fundamental, pois, que esteja orientada por um sentido ético.
É pela prática da pesquisa que aprendemos a reelaborar o conhecimento, para aprender a reinterpretar a realidade e aprender a reunir as informações para traduzi-las num conhecimento próprio e pessoal, que é um modo de interpretar o mundo, a realidade e propor novas formas de agir e de ser do/no mundo
A dimensão daA extensão é a referência para que o ensino não se torne abstrato e que a pesquisa se mantenha ligada às realidades sociais.
é a que promove a efetiva vinculação com o território e o conhecimento de suas reais demandas. Ela decorre de um compromisso social de articulação de saberes de diferentes esferas. A extensão nos permite dialogar com Dona Malvina (citada no início desta seção) e compreender as letras de todo tipo que ela lê no rio. Não é dimensão menor que o ensino e a pesquisa, mas é aquela que nos permite não nos desconectarmos do mundo.A relação ensino-pesquisa-extensão na prática docente permite, de forma excepcional, a materialização dos princípios educativos da formação humana integral, do trabalho como princípio educativo, da prática social como produtora do conhecimento, da própria indissociabilidade dos processos educativos e da consideração do educando como produtor do conhecimento.
Como exercício, pensemos na elaboração de um plano de ensino observando as especificidades da EPT, a relação entre teoria e prática e a integração com a pesquisa e a extensão. Vimos anteriormente que a tecnologia é o objeto de estudo e intervenção da EPT: é a chave para pensarmos sobre o plano de ensino. Começamos por perguntar, então, em que medida o componente curricular que iremos ministrar contribui para profissionalização, para a compreensão das formas de intervenção no mundo físico e social, que contradições estão presentes nesses processos, quais são suas bases científicas e tecnológicas? Pode nos ajudar nesse caminho a organização em tempos curriculares da Pedagogia Histórico-crítica, vista no capítulo anterior.
De acordo com Ramos (2023), buscamos identificar na prática social, na realidade concreta, questões socialmente relevantes (nosso ponto de partida, a problematização) e alcançar um nível mais avançado de compreensão dessa realidade e das possibilidades de intervenção (nosso ponto de chegada, a
). Nesse caminho, passamos pela instrumentalização dos estudantes com o ensino de conteúdos que os auxiliem, além de incentivá-los a usar esses conhecimentos no enfrentamento de questões práticas (experimentação), acompanhando-os e os instigando com novas questões (orientação), promovemos a elaboração de sínteses e revisões (sistematização) e, ainda, a reflexão sobre o próprio processo de aprendizagem (consolidação).Título: Tempos curriculares da pedagogia
Fonte: Prosa (2025g).
Em cada um desses tempos curriculares, é possível desenvolver
integradas com as dimensões da extensão e da pesquisa, buscando, por exemplo, conhecer um território específico e as demandas das pessoas que o constituem, com levantamentos de dados estatísticos, promoção de debates, observações participantes, etc. São inúmeras as possibilidades.
Considerações finais
Neste capítulo, discorremos sobre a estrutura básica de um plano de ensino e apontamos alguns elementos desse instrumento que traduz o planejamento didático-pedagógico docente. Falamos da necessidade do envolvimento discente na busca por uma construção dialógica e participativa, e discorremos sobre elementos que identificam a EPT como um modo próprio de ensino. Conversamos, também, sobre a relação teoria-prática e sobre a construção de uma práxis docente. Por fim, comentamos sobre a conexão entre as dimensões formativas do ensino, da pesquisa e da extensão, e propusemos um exercício de reflexão sobre a elaboração de uma plano de ensino.
No próximo capítulo, abordaremos a avaliação da aprendizagem na EPT e refletiremos sobre que concepção de avaliação responderia de forma adequada aos processos formativos na EPT. Conversaremos sobre métodos, técnicas e instrumentos avaliativos e como a decisão e a escolha pelo uso de um ou outro está relacionada com a forma como compreendemos o processo ensino-aprendizagem e a relação teoria-prática. Nesse percurso, iremos analisar questões epistemológicas e conceituais e refletir sobre práticas e desafios nesse campo.