A relação teoria-prática
No quinto capítulo do livro Ensinando a transgredir, bell hooks discorre sobre o desenvolvimento da reflexão teórica como elemento imprescindível para se chegar a uma prática libertadora. A autora nos diz:
Cheguei à teoria porque estava machucada – a dor dentro de mim era tão intensa que não conseguiria continuar vivendo. Cheguei à teoria porque estava desesperada, querendo compreender – aprender o que estava acontecendo ao redor e dentro de mim. Mais importante, queria fazer a dor ir embora. Vi na teoria, na época, um lugar de cura
Algumas páginas adiante, bell hooks nos lembra que “a teoria não é intrinsecamente curativa, libertadora e revolucionária. Só cumpre essa função quando lhe pedimos que o faça e dirigimos nossa teorização para esse fim” (2017, p. 87).
A autora desenvolve o argumento de que somos chamados a teorizar quando não aceitamos as naturalizações e insistimos em fazer perguntas. Quando não aceitamos a afirmação de que determinadas práticas sociais são inevitáveis, de que não há outro caminho, aí então precisamos pensar sobre as alternativas possíveis. Para construir essas alternativas, ou “fazer as coisas de outra maneira”, é preciso olhar de outra forma. Nesse momento, somos instados a usar “a teoria como intervenção”.
Essa argumentação está vinculada à ideia de que o pensar e o estabelecimento de hipóteses sobre algo decorre da nossa necessidade visceral de compreender. O pensamento transita entre o mundo objetivo, concreto, e a representação deste no nível subjetivo. Ele estabelece uma relação teórica do sujeito com o objeto. Acácia Kuenzer (2004, n.p.) destaca que “o pensamento nasce de necessidades práticas para satisfazer necessidades da prática”.
As finalidades da atividade humana orientam o pensamento que conduz à produção do conhecimento. Nas palavras da autora, “é a prática que determina ao homem o que é necessário, e o que ele deve conhecer para atender a estas finalidades, bem como quais são as suas prioridades no processo de conhecer” (Kuenzer, 2004, n.p.).
A prática e o pensamento estão intrinsecamente vinculados, porém, esse possui certa autonomia. Isso quer dizer que ele pode distanciar-se da prática, e esse processo pode acontecer em sentidos distintos. Há um tipo de afastamento necessário, quando nos distanciamos da prática para refletir sobre ela. Nesse caso, nós nos aproximamos da noção de práxis.
Utilizamos o termo práxis em referência ao processo dinâmico e dialético da relação teoria-prática, em que a prática informa a teoria que, por sua vez, informa a prática. Nesse caminho, podemos chegar a novos resultados que não eram conhecidos anteriormente, e retornarmos à prática que não será mais a mesma, mas agora uma prática refletida, consciente e criativa.
Por outro lado, há o afastamento que autonomiza o pensamento em relação à prática, encapsulando-se e perdendo sua vinculação com o movimento real. Nesse caso, nós nos aproximamos do teoricismo, em que a teoria é vista como um fim em si mesmo. Esse é um risco comum no meio acadêmico/escolar, quando tomamos o conteúdo disciplinar por si, como se fosse
e neutro.Outro tipo de desconexão da teoria com a prática ocorre quando essa, a prática, é dada como autossuficiente. Nesse caso, o pensamento do senso comum toma o lugar da teoria no que chamamos de praticismo. Na EPT, esse é um risco frequente pelo caráter pragmático da pedagogia do capital, em que as ideias só têm validade por seus efeitos práticos imediatos. Decorre dessa postura uma prática reiterativa, acrítica e alienante.
Título: Teoria e prática
Fonte: Prosa (2025f).
Trabalhar na perspectiva da práxis exige método. A apropriação das relações parte-totalidade e teoria-prática requer o movimento do pensamento, isto é, uma atividade teórica que possibilite o trânsito entre “o abstrato e o concreto, entre a forma e o conteúdo, entre o imediato e o mediato, entre o simples e o complexo, entre o que está dado e o que se anuncia” (Kuenzer, 2004, n.p.).
O ponto de partida é o conhecido, as trajetórias de vida e de trabalho dos estudantes. O olhar de outra forma o que já conhecemos nos permite construir novos significados. Começamos pelo senso comum, e caminhamos para o conhecimento elaborado por meio do movimento do pensamento, através da práxis. Esse deslocamento nos permite articular não somente teoria e prática, mas também as relações entre sujeito e objeto, indivíduo e sociedade (Kuenzer, 2004, n.p.).
Para tanto, a abordagem metodológica da Pedagogia Histórico-crítica propõe uma estrutura dividida em tempos de: problematização, instrumentalização, experimentação, orientação, sistematização e consolidação.
Inicialmente, buscamos estimular os estudantes a extraírem das práticas sociais, ou de suas realidades, questões que sejam socialmente relevantes, problematizando-as, ainda ao nível do senso comum. Em seguida, são abordados conteúdos que instrumentalizam os alunos para a compreensão do que foi problematizado. O discente é estimulado a experimentar por meio do enfrentamento de questões práticas, apropriando-se do conhecimento aprendido. Esse processo deve ser acompanhado pelo professor, que deve orientar e auxiliar o estudante na organização dos aprendizados e no levantamento de novas questões. É, então, proposta a elaboração de sínteses para a sistematização do aprendizado e realizadas avaliações formativas voltadas para a sua consolidação (Ramos, 2017).
É nesse sentido que se diz que o ponto de partida e de chegada é a prática social, a realidade concreta. Trata-se de um processo de aprendizagens sucessivas nas quais, a cada momento, aumentamos nosso patrimônio conceitual e metodológico e alcançamos níveis mais avançados de compreensão, contribuindo para o desenvolvimento da autonomia e da ampliação de nossa capacidade de intervenção no mundo. Nesse processo, as dimensões formativas da pesquisa e da extensão se integram com o ensino.
Título: A prática social como fonte de pesquisa e extensão
Fonte: Gescom (2024b).