Apontamentos iniciais sobre o plano de ensino
O plano de ensino é o instrumento que traduz o planejamento didático-pedagógico do docente responsável pelo componente curricular (disciplina, unidade temática, módulo ou outra denominação que venha a assumir no Projeto Político-pedagógico do curso). Embora, a princípio, seja uma formulação individual, decorre do trabalho coletivo expresso no PPC, devendo traduzir suas concepções e intenções no nível do componente curricular. É também uma construção participativa e dialógica pelo envolvimento dos discentes na sua discussão e desenvolvimento, desde o início do trabalho pedagógico.
Em geral, é apresentado nesse planejamento o programa do componente, com o detalhamento de elementos como: o nome da disciplina, a carga horária, os objetivos gerais e específicos, a ementa, o conteúdo programático, a metodologia, o cronograma, os critérios de frequência, a recuperação e avaliação, as referências básicas e complementares.
Título: Plano de ensino
Fonte: Prosa (2025a).
A elaboração do plano de ensino para um componente curricular de um curso da EPT exige atenção a diferentes aspectos. É necessário observar, por exemplo, as características do público atendido, as singularidades do setor de produção, as bases científicas e tecnológicas dos processos produtivos, as formas de produção e gestão do conhecimento na especialidade para a qual o curso se volta. Podemos nos fazer inúmeras perguntas sobre cada um desses aspectos. Todas essas informações nos auxiliam na definição sobre métodos e técnicas de ensino, na seleção de enfoques, conteúdo, referenciais etc.
Além disso, pela vinculação da EPT com a esfera produtiva, colocam-se de forma contundente para as práticas pedagógicas questões relacionadas às transformações no mundo do trabalho, às demandas sociais e ambientais do mundo contemporâneo, passando pela problematização da não neutralidade da ciência e da tecnologia. Tais questões estão relacionadas a um dos problemas mais sensíveis na formação profissional, a relação teoria-prática.
Neste capítulo, analisaremos a construção e execução do plano de ensino considerando algumas dessas especificidades, para, em seguida, refletirmos sobre a relação teoria-prática como ponto nevrálgico nos processos de ensino. Analisaremos, ainda, a relação do ensino com as dimensões formativas da pesquisa e da extensão.
Sobre o planejamento do trabalho pedagógico
A
faz parte do quadro docente do Curso Técnico Integrado em Edificações em uma escola técnica estadual e ministra as disciplinas de Mecânica dos Solos e Materiais de Construção atualmente. Possui graduação e mestrado em Engenharia Civil, mas nenhuma formação pedagógica. Ela ingressou na docência há seis anos e se lembra de quando precisou elaborar seus primeiros planos de ensino.Sua principal referência pedagógica na época eram os professores que teve na universidade. Havia cursado essas disciplinas na graduação, mas não tinha muita certeza de como trabalhá-las em um curso técnico integrado, com estudantes tão jovens. Um colega compartilhou os planos de ensino que havia utilizado nos anos anteriores para as disciplinas que ela iria ministrar. Também trocaram algumas ideias sobre o perfil discente e sobre as práticas e concepções comuns entre os docentes do curso. Ela se sentia segura quanto ao conteúdo técnico abarcado nas disciplinas, mas não quanto às metodologias de ensino e aos recursos educacionais. Sentia-se ainda menos segura sobre como trabalhar sob a perspectiva da formação integral proposta no Projeto Político-pedagógico de Curso (PPC).
Ludmilla havia ouvido falar muito pouco sobre Educação Profissional, não conhecia nada da história dessa modalidade de ensino no Brasil, desconhecia os debates sobre as concepções em disputa nesse campo e sobre as especificidades políticas, epistemológicas e pedagógicas da EPT. Tendo como referência o que viveu na universidade, também não conseguia vislumbrar possibilidades de atuação em projetos de pesquisa e de extensão em um curso técnico, e como essas dimensões formativas poderiam conectar-se com as práticas de ensino.
Com o tempo, Ludmilla, que já havia trabalhado em uma empresa de consultoria, foi percebendo que muitas das práticas pedagógicas presentes na escola eram orientadas por valores e concepções similares aos que vivenciara no mundo empresarial. As metodologias de avaliação, por exemplo, reforçavam o individualismo e a competitividade. Tais práticas se distanciavam do previsto, tanto nos projetos político-pedagógico da escola quanto do curso nos quais se anunciava uma formação voltada para o desenvolvimento da autonomia e o compromisso com a transformação social.
Nossa personagem fictícia viveu uma situação verossímil entre aqueles que ingressam na docência da EPT. Sua história ilustra algumas das questões com as quais nos deparamos enquanto docentes interessados em promover uma aprendizagem efetiva, ética e politicamente comprometida com o desenvolvimento humano. Porém, nem sempre estamos preparados ou sabemos como organizar nosso trabalho pedagógico de modo a alcançar os objetivos pretendidos.
Como organizar e direcionar o trabalho pedagógico nas disciplinas de forma a traduzir o previsto nos PPCs? Como expressar em suas práticas o seu compromisso ético-político com uma formação ampla dos educandos em suas múltiplas capacidades de trabalhar, viver coletivamente e agir autonomamente sobre a realidade?
A prática docente na EPT tem sido marcada pelo desenvolvimento de competências pedagógicas empíricas . As referências utilizadas para ensinar costumam ser os modelos pedagógicos adotados por outros professores, tanto aqueles que fizeram parte das trajetórias pregressas como estudantes quanto os atuais colegas de profissão (Silva, 2020). Essa prática decorre da junção de vários tipos de conhecimento, porém, observamos a tendência a uma maior valorização do domínio do conteúdo específico e do conhecimento experiencial prático na área profissional, mas uma ênfase menor no conhecimento pedagógico (Pena, 2016).
Esses são aspectos que precisam ser analisados criticamente, para que essas referências e hierarquizações, a que nos referimos no parágrafo anterior, não sejam reproduzidos. Em outras palavras, tendemos a repetir as práticas que nos servem como referência (tenham elas vindo de nossas próprias experiências ou das de outros profissionais) sem uma reflexão mais profunda sobre o motivo de fazemos dessa forma, sem a análise de outras alternativas, no caso. Nesse ciclo, também tendemos a reproduzir estereótipos, como a falsa hierarquia entre conhecimento específico e é necessário que, ao planejar o trabalho pedagógico, o docente faça uma análise crítica de suas próprias práticas.
. Por isso,