Após assistir ao documentário e debater essas questões, trazemos alguns elementos da história da EPT no Brasil e seus tensionamentos em torno de suas finalidades, sua concepção de formação humana e seus projetos de sociedade, para contribuir com o estabelecimento das conexões necessárias de modo a buscar compreendê-la em sua totalidade.
Iniciamos por retomar alguns aspectos históricos que marcaram a chamada velha institucionalidade da educação profissional.
Araujo e Rodrigues (2011), ao situar historicamente a educação profissional no Brasil, dão conta de que sua institucionalização acontece entre 1930-1940 com a finalidade de orientar a formação do trabalhador para o mercado de trabalho, tendo também um caráter assistencial direcionado para “o atendimento das pessoas pobres e desvalidas da sorte”.
Essa institucionalização ocorre articulada ao processo de industrialização brasileira, “marcado também pelo nascimento do SENAI e das leis orgânicas do ensino em 1942” para atender a uma nova demanda de formação de trabalhadores (Araujo; Rodrigues, 2011, p. 12).
De acordo com esses mesmos autores, esse modelo de Educação Profissional (EP) foi caracterizado pelo nascimento e consolidação do Sistema S - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) e, posteriormente, do Sistema Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (SENAT), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (SESCOOP).
Nesse modelo de EP, prioriza-se a reprodução de conhecimentos e o disciplinamento do trabalhador, cabendo ao estudante a assimilação e a reprodução dos conhecimentos transmitidos. As práticas pedagógicas desse período foram predominantemente marcadas pelas , que envolviam: a) a individualidade do estudante; b) o estudo do assunto; c) a comprovação do conhecimento e d) a aplicação ou transferência do conhecimento. Nesse sentido, o trabalhador não aprende o todo, mas a parte, de acordo com a sua capacidade. Esse modelo de ensino visava o disciplinamento subjetivo às condições de trabalho encontradas na empresa (Araujo; Rodrigues, 2011).
Esse ideário pedagógico do capital objetivava, como bem sintetizou Gaudêncio Frigotto (1983), “fazer pelas mãos, a cabeça do trabalhador”, como refletimos no capítulo 2.
Araujo e Rodrigues (2011, p. 15) destacam algumas expressões que refletiam essa “velha institucionalidade”, a saber:
Título: A Velha Institucionalidade
Fonte: Araújo e Rodrigues (2011).
Elaboração: Prosa (2024).
Assim, destacam Araujo e Rodrigues (2011, p. 14),
a institucionalização da educação profissional no Brasil foi pautada numa pedagogia tecnicista, de base pragmática, e organizada sob forte hierarquização das funções técnicas (e docentes) em conformidade com o modelo de acumulação taylorista-fordista.
A EP funcionava completamente apartada da educação geral, era obrigatória no ensino de 2º grau e acabou aprofundando o modelo dual de educação no Brasil, tendo, de um lado, uma escola para formar trabalhadores e, de outro, uma destinada a formar elites. A escola pública ofertava os cursos profissionalizantes, e as escolas privadas seguiam seu percurso de oferta de formação propedêutica (dando conta dos conteúdos das ciências, das artes etc.). Ou seja: profissionalização para a classe trabalhadora e ensino propedêutico para as elites (Moura, 2008).
A tentativa de renovação da EP no Brasil, sob a égide do capital, tem na Pedagogia das Competências e na Teoria do Capital Humano as bases para a sua proposta “inovadora”, a partir das décadas de 1980 e 1990. Com a advento do governo Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002), houve uma tentativa de sua “renovação”, visando atender às transformações no mundo do trabalho, orientada pelo modelo de acumulação flexível do capital.
Ramon de Oliveira (2001, p. 2) explica que a Teoria do Capital Humano, revisitada pela política educacional da década de 1990 no Brasil, busca fazer crer que quanto maior for o investimento do indivíduo em sua escolarização, maior será a sua possibilidade e capacidade competitiva no mercado de trabalho. Explica o autor:
Título: A Teoria do Capital Humano e a Política Educacional brasileira da década de 1990
Fonte: Oliveira (2001).
Elaboração: Prosa (2024).
Oliveira (2001) alerta que os propagadores dessa teoria "esquecem" que o próprio acesso à produção cultural é reflexo das desigualdades geradas por este modelo de produção. Consequentemente, não poderia a educação corrigir aquilo que se edifica na própria estrutura econômica existente.
É importante destacar que, para essa teoria, a busca por melhoria de qualificação é individual e, portanto, o sucesso ou o fracasso depende do esforço e do mérito de cada um, consolidando, assim, no campo educacional, um discurso de meritocracia que mascara as desigualdades em que está assentada a sociedade.
Para Frigotto (2001), a partir da década de 1990, há um rejuvenescimento da Teoria do Capital Humano como uma resposta à crise do capitalismo e às novas exigências de qualificação de trabalhadores ajustadas aos interesses do mercado.
O Plano Nacional de Educação Profissional (PLANFOR) é um exemplo de política pública que marcou esse período, orientada por uma lógica neoliberal, cuja principal referência era o mercado. As disputas em torno da EP se dão também no âmbito da formulação e aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 20 de dezembro de 1996. Nessa, setores empresariais e aqueles que defendiam a educação pública se confrontaram em torno das finalidades da EP no Brasil.
Na LDB de 1996, garantiu-se a articulação da EP à Educação Geral que, na velha institucionalidade, era separada. A EP passou, então, a compor a educação básica no Brasil: “Art. 39. A educação profissional e tecnológica, no cumprimento dos objetivos da educação nacional, integra-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia.” (Brasil, 1996)
Mas o Decreto 2.208/97, ao regulamentar o §2º do art. 36 e os artigos 39 a 42 da referida lei, organizou a EP em três segmentos: básico, técnico e tecnológico. Esse decreto fragmentou e separou essa modalidade educacional da educação básica geral, instituiu um Sistema Nacional de EP em paralelo ao Sistema Nacional de Educação, negando, assim, a construção da integração entre Educação Geral e Educação Profissional. Acácia Kuenzer chama esse decreto de “ajuste conservador”.
A velha institucionalidade foi marcada por uma forma de organização baseada nos critérios do Sistema “S” de formação e fortemente orientada pela Pedagogia das Competências. Para Ramos (2003, p. 98), “nessa lógica das competências, os conhecimentos tendem a se limitar ao recorte estritamente instrumental, desagregando a formação pelo atrelamento a tarefas e desempenhos específicos, prescritos e observáveis”.