A RFEPCT: Construções históricas e sociais para a consolidação do EMI

A RFEPCT tem sua origem no Decreto n° 7.566/1909 do então presidente da república Nilo Peçanha, que criou 17 escolas de aprendizes artífices no país. O segundo considerando que justifica o Decreto explicita que

[...] se torna necessário, não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo technico e intellectual, como fazel-os adquirir habitos de trabalho proficuo, que os afastará da ociosidade ignorante, escola do vicio e do crime

(Brasil, 1909, grifo nosso).

Ao tratar da necessidade de “preparo technico e intelectual”, o documento anuncia certa intencionalidade de integração. Não obstante, a história da Educação Profissional no país mostra que, nessas escolas, prevaleceu durante muito tempo o ensino profissionalizante de caráter instrumental, embora desde sua origem também houvesse, em algumas situações, o ensino propedêutico, conforme Art. 8º do Decreto nº 7.566/1909:

Haverá em cada Escola de Aprendizes Artifices dous cursos nocturnos: primario, obrigatorio para os alumnos que não souberem ler, escrever e contar, e outro de desenho, tambem obrigatorio, para os alumnos que carecerem dessa disciplina para o exercicio satisfactorio do officio que aprenderem

(Brasil, 1909).

Evidentemente, o dispositivo acima não garantiu a articulação e muito menos a integração entre formação geral e profissional. Entretanto, a coexistência delas em uma mesma instituição, e a convivência entre os profissionais que nela atuavam, começaram a alicerçar a futura integração curricular, embora ainda muito distante dessa perspectiva. 

Título: Escola de Aprendizes Artífices de São Paulo
Fonte:
Acervo CPDOC/FGV (1910).
Elaboração:
FUNARTE/SP (2023).

Ao longo do século XX, essas instituições passaram por várias denominações que acompanharam, principalmente, as transformações econômicas que mudavam as exigências de formação da classe trabalhadora, conforme os interesses do capital. Foi apenas em 2008, com a Lei nº 11.892/2008, que essa modalidade de ensino recebeu o nome de RFEPCT (Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica).

Foi no início do século XXI que a correlação de forças políticas viabilizou a edição do Decreto nº 5.154/2004, que revogou o Decreto nº 2.208/1997, responsável pela separação obrigatória entre o ensino médio e os cursos técnicos de nível médio. Essa mudança permitiu o surgimento do EMI como possibilidade. A partir desse marco legal, vem ocorrendo ampla produção acadêmica, documentos orientadores (Brasil, 2007a, 2007b, 2007c, 2007d) e experiências teórico-práticas sobre esse tipo de Ensino Médio, que se fundamenta nos conceitos de omnilateralidade, politecnia e escola unitária – já estudados na unidade temática "Trabalho-Educação: Fundamentos teóricos e didáticos II".

Esses movimentos vêm, gradativamente, produzindo um espaço indutor de experiências de integração na RFEPCT e em algumas redes estaduais. Os dois últimos mais significativos foram o processo de expansão e interiorização das instituições federais de EPT que, de acordo com o Ministério da Educação, “[...] partiu, em 2006, de um total de 144 unidades. Chegou, em 2018, a 659 unidades em todo o país [...]. Isto representou a construção de mais de 500 novas unidades[...]” (Brasil, c2018).

card do curso

Título: Processo de expansão e interiorização das Instituições Federais de EPT
Fonte:
Ministério da Educação (c2018); Gaia Schüler (2023b).
Elaboração:
Prosa (Prosa (2025b).

Além deste, em 2008, a mudança de institucionalidade para Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs), por meio da Lei nº 11.892/2008, também instituiu a RFEPCT. Esses dois movimentos – que se complementam e se reforçam mutuamente – potencializam a ampliação da oferta do EMI nessa Rede. 

A expansão interiorizada da RFEPCT (conjugada com a priorização do EMI) está possibilitando que adolescentes, jovens e adultos das periferias das grandes cidades e do interior do país tenham acesso ao Ensino Médio Integrado. É importante salientar que essa Rede tem um quadro docente especializado e com elevados índices de titulação acadêmica, sendo 88,2% mestres ou doutores (PNP, 2023), além de contar, em geral, com uma infraestrutura física de qualidade, já que é de domínio público. 

Tamanho projeto requer a ampliação da formação de docentes em EPT para atuar nesses cursos, o que é um grande desafio por si só. Também é necessário que essa formação chegue aos docentes das redes estaduais, nas quais a maior parte da população brasileira cursa o Ensino Médio, afinal, mesmo diante da expansão e da interiorização do EMI, cerca de 63,3% das matrículas ainda concentram-se nas redes estaduais (Brasil, 2022), enquanto o âmbito federal alcança apenas 29,4% do total de inscrições.

A discussão até o presente momento tem o objetivo de explicitar como foram se construindo historicamente as relações entre a EP e a Educação Básica na RFEPCT, em especial, entre a EPTNM e o EM, de modo a criar, gradativamente, condições materiais para materializar e consolidar a oferta do EMI. Dessa forma, a RFEPCT é um espaço inspirador e, além disso, indutor para a concretização da proposta de EMI – que toma como parâmetro as bases conceituais que fundamentam o PPC deste curso.

Apesar disso, é fundamental avançar em muitos aspectos essenciais à materialização de um ensino integrado que seja orientado por uma práxis transformadora. Uma das questões (longe de ser a única) que as pesquisas têm detectado é a falta do domínio teórico-prático dos fundamentos do currículo integrado por parte dos profissionais envolvidos em sua materialização, incluindo os docentes. Por isso, esse curso é essencial para que você possa aprofundar-se nessas questões.

A seguir, discutiremos o segundo espaço de experiências inspiradoras de ensino integrado, a EPSJV/FIOCRUZ.