As pessoas neurodivergentes também são consideradas PcD? Necessitam de políticas inclusivas?
A neurodiversidade é um conceito que se tornou mais proeminente nas últimas décadas, embora suas raízes possam ser rastreadas até os movimentos de direitos civis das pessoas com deficiência nos anos 1990. A origem e a historicidade da neurodiversidade como conceito é remetida à socióloga australiana Judy Singer, portadora da síndrome de Asperger, tendo sido cunhado em 1998. Popularizando-se em meados dos anos 2000, por meio das influências do feminismo, o conceito buscava levar as mães a questionarem o modelo psicanalítico dominante, que as culpavam pelo transtorno autista dos filhos. O conceito atingiu seu auge com o surgimento da internet e por meio dos movimentos políticos (Ortega, 2008).
Título: Ilustrando a neurodiversidade
Fonte: Prosa (2025b).
Os termos 'neurodivergente', 'pessoa atípica' ou 'neuroatípica' referem-se à variedade de configurações e diferenças neurológicas que existem entre os seres humanos que não se encaixam nos padrões considerados típicos ou normativos. Nesse sentido, diferenças como autismo, dislexia, dislalia, síndrome de Asperger, Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), transtorno de humor, deficiência intelectual, ansiedade e outras condições não devem ser vistas como deficiências ou doenças, mas como variações naturais do cérebro e parte da diversidade humana.
O uso dos termos supracitados tem como objetivo promover uma visão mais inclusiva e positiva sobre as diferenças neurológicas, desafiando estigmas e preconceitos. Essa abordagem reconhece que as diferenças podem trazer habilidades e perspectivas únicas, contribuindo para a sociedade de maneira valiosa.
Em vista disso, o conceito de neurodiversidade, ou neuroatipicidade, postula que diferenças neurológicas (conexões neurológicas atípicas e fora dos padrões ideais perpetuados na e pela sociedade) devem ser compreendidas como quaisquer outras particularidades humanas, e não como doenças/déficits a serem tratadas e curadas (Bolsoni, Macuch e Bolsoni, 2021).
Segundo a pesquisa empírica realizada por Bolsoni, Macuch e Bolsoni (2021), a maioria dos docentes desconhecem cientificamente o conceito da neurodiversidade, como também apresentam percepções discriminatórias sobre a realidade complexa do estudante neuroatípico no ambiente universitário, o que pode gerar preconceitos, falas discriminatórias e intervenções negativas que promovem a sua exclusão no processo educacional. Isso porque, até pouco tempo atrás, não sabíamos exatamente o que fazia essas pessoas serem tão diferentes da suposta “normalidade”. Hoje os diagnósticos são mais precisos, e profissionais da área da saúde podem ser bastante úteis na formação de professores e no auxílio da promoção de sua inclusão na educação.
Urge a inclusão dos temas “neurodiversidade” (ou “neurodivergência” e “neuroatipicidade”) nos currículos dos cursos de formação de professores. E isso para além dos estudos sobre a inclusão de pessoas com deficiência, uma vez que tais estudantes não podem ser considerados (e não são) deficientes, apenas pensam e agem de maneira diferente da maioria.
A neurodiversidade surge e se posiciona em oposição à perspectiva negativa que se tem sobre a pessoa que possui aspectos neurológicos divergentes daqueles impostos pelos padrões da sociedade. O modo de funcionamento atípico cerebral é parte constituinte e única do indivíduo, portanto, “não podemos separar o transtorno do indivíduo e, se fosse possível, teríamos um indivíduo com uma identidade diferente” (Ortega, 2008, p. 485). Por outro lado, “o não funcionamento de um dos órgãos dos sentidos ou o funcionamento neurológico distinto da maioria da população não caracterizaria deficiência, mas sim, diferenças no desenvolvimento, inclusive de constituição cultural” (Freitas, 2016, p. 93).
No Brasil, no âmbito legal, as pessoas neurodivergentes podem ser consideradas pessoas com deficiência (PcD) dependendo de como suas condições se manifestam e impactam suas atividades diárias. A Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015) define deficiência de uma maneira ampla, abrangendo deficiências físicas, mentais, intelectuais e sensoriais. As condições neurodivergentes, como o autismo e o TDAH, podem enquadrar-se nessa definição se causarem limitações significativas em um ou mais aspectos da vida. Isso garante que essas pessoas tenham acesso a direitos e benefícios que promovam sua inclusão social, educacional e profissional.
É importante destacar que a classificação como PcD pode variar conforme a avaliação e o contexto individual. Cada caso deve ser analisado de maneira específica, levando em conta a função e a adaptação de cada pessoa às demandas do ambiente.
É provável que você, cursista, já tenha tido um aluno muito agitado, tímido ou recluso, ou até com dificuldades de aprendizagem e socialização. Nesse sentido, aqui estão algumas sugestões de ações que podem contribuir na inclusão desses alunos:
- Identificação e sensibilidade: observe o comportamento do aluno e identifique características que possam indicar neurodivergência. Mantenha uma atitude sensível e respeitosa.
- Estabelecer uma comunicação aberta: se possível, converse diretamente com o aluno para entender suas necessidades e a forma que ele prefere aprender. O diálogo é fundamental para construir um ambiente de confiança.
- Personalizar o ensino: adapte suas abordagens pedagógicas. Use diferentes métodos de ensino (visuais, auditivos, práticos) para atender ao estilo de aprendizagem do aluno.
- Criar um ambiente inclusivo: promova um ambiente de sala de aula que valorize a diversidade. Incentive a empatia e a compreensão entre os alunos.
- Colaboração com especialistas: trabalhe em conjunto com profissionais da área de Educação Especial, psicólogos ou terapeutas que possam oferecer orientações sobre como melhor apoiar o aluno.
- Educação para todos: promova discussões sobre neurodiversidade na sala de aula, auxiliando todos os alunos a entenderem e respeitarem as diferenças.
- Feedback regular: ofereça um feedback construtivo e frequente, ajudando o aluno a sentir-se valorizado e apoiado em seu processo de aprendizagem.
Em suma, a neurodiversidade é um novo paradigma do que se tem considerado como transtorno mental de origem neurológica e que pode representar formas alternativas da vida humana natural. A abordagem pode ser mais humanizada, cultural, sociológica e menos clínica. Questões que se elaboram em torno das pessoas que geralmente são identificadas com diagnósticos de autismo, TDAH, transtorno de humor, dislexia, deficiência intelectual, ansiedade e outras devem ser vistas como formas alternativas da vida humana a partir da potencialidade das diferenças e não nas deficiências (Armstrong, 2010).