Até aqui, tratamos essencialmente o princípio da separação, ideia citada anteriormente de que existem trabalhos destinados aos diferentes gêneros. Mas é preciso que pensemos também no segundo princípio, aquele que diz que o trabalho masculino “vale mais” que o feminino. Essa questão desdobra-se em duas constatações: a primeira é que os trabalhos considerados inerentes às mulheres têm menor prestígio social, menores investimentos e, consequentemente, menores remunerações; e a segunda é que mulheres atuantes em cargos e áreas juntamente de homens ainda tendem a ganhar menos que eles.

Sobre a primeira questão, alguns pontos merecem destaque. Ao analisar os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged), de junho de 2024, percebe-se que os setores com menor saldo de contratações de mulheres (como o de construção civil e de indústria) são também os que oferecem os maiores salários de admissão. Em contrapartida, o setor de comércio, que tem maior saldo de contratações femininas, apresenta os menores salários de admissão.

Isso reflete não só nos salários recebidos pelas mulheres, mas também no investimento que é feito em seu trabalho. Encontramos um exemplo disso na atuação de pesquisadoras. Gláucia de Oliveira (2022) trata de um estudo sobre o financiamento a projetos pelo Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT) na área da saúde, principal órgão fomentador de pesquisas no Brasil, entre 2010 e 2021, aponta que a maioria dos projetos aprovados para financiamento são coordenados por mulheres. Porém, ao analisar o valor que cada projeto recebe, os homens são contemplados com financiamentos muito maiores. Nos dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) não é muito diferente: em 2022, as bolsas de produtividade foram destinadas em 65,7% para pesquisadores homens, e no nível mais alto de bolsista (o nível A1), apenas 27% dos membros são pesquisadoras.

Partindo de Manoel Soares (2011), quando a questão é a ausência de mulheres em posições mais altas, argumentos que comumente surgem são de que elas não teriam o controle emocional para enfrentar as pressões constantes em posições de liderança, que suas decisões seriam menos objetivas, e que, por serem educadas socialmente para serem "protegidas", não desenvolveriam a "agressividade" necessária para competir. Andrea Steil (1997) traz que é questionando essa lógica excludente que surge o conceito de teto de vidro, o qual serve para descrever as barreiras que são pouco visíveis – mas fortes o bastante para impedir que mulheres alcancem níveis altos de hierarquia nas organizações.

Para saber mais sobre as desigualdades de gênero no mundo do trabalho, sugerimos o banco de dados abaixo, que contém séries históricas a partir de 1970, abrangendo estatísticas sobre o crescimento do trabalho feminino, a relação entre a família e o trabalho feminino, escolaridade e trabalho, o lugar ocupado pelas mulheres no mercado de trabalho e a qualidade do trabalho feminino. 

Disponível em: https://www.fcc.org.br/repositorios/trabalho-mulheres/ 

Cartazes dos filmes “Você Não Estava Aqui” e “Eu, Daniel Blake”

Título: As hierarquias de gênero no mundo do trabalho
Fonte: Prosa (2024e).

Pesquisas feitas com estudantes da EPT, como as de Sabrina Lopes (2016) e Daniel Leão (2017), analisam como os fatores familiares, sociais e culturais influenciam as experiências de estudantes em diferentes cursos técnicos, especialmente em relação às questões de gênero. As mulheres enfrentam desafios dessa ordem estando ou não em cursos tradicionalmente “femininos”. Quando optam por cursos vistos como masculinos, elas podem ser subestimadas e consideradas inadequadas dentro desses espaços. Já aquelas que cursam formações consideradas femininas, são confrontadas pelo menor prestígio social e econômico das áreas.

Frente a essas desigualdades, em cursos tradicionalmente masculinos, as alunas desafiam a divisão sexual do trabalho, buscando romper barreiras e explorar novas oportunidades de crescimento profissional. E quando falamos daquelas que fazem cursos normalmente vistos como “de mulher”, muitas vezes o fazem de forma consciente e combativa, reconhecendo a desvalorização dos saberes associados ao feminino e resistindo à naturalização dessa realidade (Lopes; Quirino, 2017).

Considerando essa realidade, tornam-se cruciais as iniciativas que buscam fomentar a participação feminina em áreas tradicionalmente dominadas por homens e valorizar aquelas que são tradicionalmente vistas como femininas. Nesse sentido, quando falamos sobre a presença feminina na EPT, é importante conhecermos e nos inspirarmos em algumas ações, tais como as legislações apresentadas a seguir:

card do curso

Título: Algumas das legislações que versam sobre a presença feminina na EPT
Fonte:
Brasil (1988); Brasil (2011a); Brasil (2011b); Brasil (2021).
Elaboração: 
Prosa (2024f).

Dando continuidade à discussão sobre a presença feminina e LGBTQIA+ na EPT, trataremos, a seguir, de questões de diversidade sexual e de gênero.