Até aqui, nossa discussão se concentrou nas dinâmicas entre homens e mulheres. No entanto, é fundamental reconhecer que a diversidade dentro desses grupos é vasta e que as questões relacionadas à sexualidade estão intrinsecamente ligadas a essas dinâmicas. Por isso, torna-se essencial ampliar o debate para incluir a perspectiva da diversidade sexual e de gênero, abordando as múltiplas identidades e experiências que desafiam as categorias dominantes.

Para ilustrar a associação entre a divisão sexual do trabalho e os preconceitos contra sexualidades dissidentes, podemos citar a criação de estereótipos ligados a estudantes que cursam formações que diferem da tendência esperada de seu gênero. Podemos citar o comportamento discriminatório que atinge, por exemplo, homens que cursam a licenciatura em Pedagogia, que, no Brasil, conta atualmente com 91,9% de alunas mulheres. Na formação técnica de nível médio isso também acontece, como evidencia a pesquisa de Sabrina Lopes (2016).

Vivemos em uma sociedade que segue padrões pautados na cisgeneridade, ou seja, a crença de que é o seu sexo biológico que designa o gênero de um indivíduo e, portanto, ambos os sexos devem adotar todas as características (que foram discutidas anteriormente) relacionadas ao gênero que lhes foi designado. Além disso, há o padrão que valoriza apenas a heterossexualidade, isto é, que considera que homens devem atrair-se sexual e romanticamente por mulheres e vice-versa. Esses padrões estão ligados à identidade de gênero e à orientação sexual.

A identidade de gênero diz respeito ao gênero com que a pessoa se identifica, independentemente do gênero que lhe foi atribuído em seu nascimento. Assim, uma pessoa que, ao nascer, foi designada como menina pode ter uma identidade de gênero masculina, tal como uma pessoa que foi considerada menino na infância pode também ter uma identidade de gênero feminina. De acordo com Jaqueline Jesus (2012), no caso das pessoas cuja identidade de gênero é concordante com aquela que lhe foi atribuída, usa-se o termo cisgênero; para pessoas cuja identidade é diferente, usamos o termo transgênero ou o termo guarda-chuva trans. 

Já a orientação sexual diz respeito à forma como um indivíduo se atrai por outras pessoas sexual e/ou romanticamente. Assim, pessoas que se atraem por outras com gênero diferente do dela são chamadas heterossexuais; as que se atraem pelo mesmo gênero são homossexuais; quando se atraem por mais de um gênero, são bissexuais ou pansexuais. Há, ainda, outras orientações possíveis, como por exemplo pessoas que não se atraem sexualmente por outras pessoas.

É muito importante compreendermos que identidade de gênero e orientação sexual não são a mesma coisa. Assim, pessoas trans podem ser heterossexuais, homossexuais, bissexuais, assexuais, pansexuais etc., e isso vale para as pessoas cisgêneras também.

A esse ponto você já deve ter percebido que esse tema tem ligação com a comunidade LGBTQIA+, pessoas cujas identidades não são comportadas pelos padrões cisgêneros e heterossexuais.Você tem conhecimento acerca do significado de cada uma das letras da sigla?

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Título: A definição da sigla LGBTQIA+
Fonte:
ABGLT (2021); Jesus (2012).
Elaboração: 
Prosa (2024g).

É importante que educadores estejam cientes dessa diversidade de identidades, e especialmente as valorizem e as respeitem nos espaços da EPT. Pessoas que não se encaixam nos padrões cisheteronormativos enfrentam barreiras adicionais, tanto na educação quanto no mundo do trabalho. 

Uma pesquisa realizada pela Secretaria de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT, 2016), com estudantes brasileiros do Ensino Fundamental e Médio que se identificam como LGBTQIA+, apontou os seguintes resultados com relação às agressões sofridas: 72,6% sofreu agressão verbal; 36,4 % sofreu algum tipo de agressão ou violência física. As agressões verbais são exemplificadas como xingamentos e ameaças; as agressões físicas por puxões e empurrões, espancamentos, chutes e ferimentos com armas. Segundo Jéssica Casali e Josiane Gonçalves (2019), a exposição constante a esse tipo de violência é um fator que pode contribuir para o abandono, a evasão e o fracasso escolar dessa população.

Icaro Gaspodini e Jacqueline de Jesus (2020) explicam que até chegarem à violência extrema, os processos que surgem da crença de superioridade nas identidades cisgêneras e heterossexuais passam pelas práticas cotidianas de invisibilização e estigmatização das demais identidades. Dessa forma, todas as pessoas que não correspondem a esses padrões estão expostas diariamente à possibilidade de exclusões, agressões e tentativas de negação dos seus direitos.

O estudo citado foi feito com estudantes do ensino regular, mas, quando pensamos na EPT, somam-se as preocupações relacionadas ao mundo do trabalho. Pesquisas mostram que, quanto à empregabilidade, a população LGBTQIA+ passa por exclusões, preconceitos e discriminações – muitas vezes por meio de violência simbólica e estrutural (Souza et al., 2020). No caso específico das pessoas trans, a situação é ainda mais grave, levando uma grande parcela dessas pessoas a dependerem do trabalho sexual para sobreviver e pouquíssimo acesso à Educação Profissional, o que demanda políticas públicas para enfrentamento dessa exclusão, como apontam os estudos de Jordy Santos et al. (2023).

Ao discutir as dificuldades enfrentadas pela população LGBTQIA+ no mercado de trabalho, é essencial dar visibilidade aos desafios na defesa e na promoção de seus direitos diante do capitalismo global. No cenário atual, surgem novas formas de reorganizar a divisão sexual do trabalho para ampliar a exploração, aproveitando a flexibilização e os avanços tecnológicos, impactando diretamente essa comunidade (Souza, 2020). Se considerarmos que, em defesa da formação humana integral, é necessário considerar as particularidades de cada grupo social, como colocam Frigotto, Ciavata e Ramos (2005), é preciso visibilizar e valorizar a presença da diversidade sexual e de gênero na EPT.

Para avançar nesse debate, é importante ir além da simples defesa da liberdade de existir sem violência, como sugerem Bruna Irineu e Brendhon Oliveira (2020). O foco deve incluir a participação social e o direito ao trabalho digno, reconhecendo que o preconceito e a discriminação ainda são obstáculos importantes. Assim, é fundamental adotar uma perspectiva que vá além das normas cisheteronormativas, buscando transformar a organização das relações de trabalho e poder nas instituições para, então, construir uma educação emancipatória.

Assim, em se tratando da realidade da classe trabalhadora e de toda diversidade daqueles que a compõe, lançamos a seguinte reflexão: como desenvolver uma Educação Profissional, integrada e integradora, a partir das diversidades que são encontradas no dia a dia da sala de aula da EPT, com o objetivo de ultrapassar as barreiras do adestramento para um mercado de trabalho seletivo, excludente e mutável, promovendo o desenvolvimento total dos trabalhadores?