Presença Feminina e LGBTQIA+ na Educação Profissional e Tecnológica 

Você sabia que as mulheres são maioria nos cursos técnicos atualmente? É isso o que os resultados do Censo Escolar de 2023 mostram. Elas também são mais numerosas nos cursos de Graduação, segundo os dados do Censo Superior de 2022. À primeira vista, isso parece um grande avanço para a presença feminina na EPT e no Ensino Superior.

card do curso

Título: Presença feminina na EPT
Fonte:
Schüler (2023). 
Elaboração: 
Prosa (2024).

No entanto, quando olhamos mais aproximadamente, percebemos que tanto mulheres quanto homens concentram-se em cursos e áreas de conhecimento bem específicos. Para entender melhor o motivo pelo qual isso acontece e o que significa, precisamos falar sobre dois conceitos: relações de gênero e divisão sexual do trabalho. Esses temas vão nos ajudar a entender melhor como as trajetórias educacionais são moldadas e como isso impacta os percursos de estudantes da EPT. 

Você provavelmente já ouviu falar ou participou de discussões sobre gênero e educação, já que esse assunto tem se tornado cada vez mais presente em debates políticos, inclusive através do uso da expressão "ideologia de gênero". Para uma melhor compreensão desse debate, é importante questionar o que se entende por 'gênero'. Nesse contexto, quando falamos de gênero, referimo-nos a um conjunto de características que nossa cultura considera como femininas ou masculinas. São expectativas que vão além do sexo biológico, referindo-se ao que é socialmente compreendido como ser homem e como ser mulher.

Mesmo antes do nascimento, essas projeções do que esperam de nós (conforme nosso sexo biológico) já começam a influenciar nossas vidas. Expectativas sobre o sexo do bebê interferem em decisões sobre que roupas e brinquedos serão comprados e até nos gostos e interesses que serão encorajados ou desmotivados. 

Nos “chás de revelação”, celebrações em que o sexo da criança por nascer é revelado aos pais e convidados, isso é feito através de um código bastante conhecido: rosa para meninas e azul para meninos. Apesar de ser muito comum atualmente, a atribuição dessas cores nem sempre foi assim. Durante grande parte da história, não existiam cores convencionadas para diferenciar as crianças e, em alguns momentos e culturas, chegou-se a usar o contrário: rosa para o masculino e azul para o feminino, segundo João Paulo Baliscei (2020). Esse é apenas um exemplo de como alguns padrões, que muitas vezes são repetidos e parecem óbvios e “naturais”, fazem parte de uma construção social.

Ao definir padrões do que é esperado de homens e mulheres, as relações de gênero se constituem como relações de poder desiguais entre pessoas de gêneros diversos. Uma forma em que elas se manifestam, e que é muito importante para debate da EPT, é a divisão sexual do trabalho. Essa divisão tem dois princípios constitutivos: o princípio da separação e o princípio da hierarquia. Esses princípios podem ser resumidos da seguinte forma: “existem trabalhos de homem e trabalhos de mulher” e “um trabalho de homem vale mais do que um trabalho de mulher” (Hirata; Kergoat, 2007). 

Observe o gráfico abaixo, que apresenta a porcentagem de pessoas de cada sexo matriculadas em cursos técnicos no Brasil. Quais padrões você consegue perceber? Há algo em comum entre as áreas em que a maioria é feminina? E entre aquelas que têm mais homens?

card do curso

Título: Clima escolar positivo e negativo
Fonte:
Inep (2024). 
Elaboração: 
Prosa (2024c).

Com base no gráfico, é possível observar que as áreas em que há maior concentração de mulheres são aquelas nas quais o trabalho é fortemente voltado aos cuidados com outras pessoas, como a saúde, educação e hospitalidade. Por outro lado, quanto mais ligados aos saberes considerados mais técnicos e/ou tecnológicos, como na área da informação, a presença feminina vai se tornando mais reduzida. 

Muitas vezes, ao questionarmos o porquê de isso acontecer, as respostas que recebemos (pelo senso comum) atribuem esse fenômeno a características supostamente inatas, como gosto e habilidades naturais ou emocionais, para atuar nesses campos. Quando entendemos que gênero é uma construção social, e não algo determinado biologicamente, fica claro que é importante explorar as origens dessa percepção equivocada sobre a falta de habilidade técnica das mulheres. De acordo com Helena Hirata (2003), é crucial investigar o motivo pelo qual as mulheres ainda são vistas como aptas a determinados saberes e incompetentes em outros, mesmo quando possuem um alto nível de escolaridade.

Quando analisamos as profissões de cuidado, aquelas em que as mulheres são vistas como capazes, notamos um padrão: elas estão geralmente ligadas à tarefas domésticas e a papéis que desempenham historicamente no ambiente familiar. Esses fazeres, muitas vezes invisíveis e não reconhecidos como trabalho – a menos que sejam remunerados –, refletem estereótipos de gênero que têm persistido através do tempo. 

Precisamos lembrar que as mulheres ainda carregam maior parte da responsabilidade pelo trabalho doméstico não remunerado, como, por exemplo, o cuidado com a casa e os filhos, ações que sobrecarregam e limitam suas oportunidades de desenvolvimento profissional. Cristina Bruschini (1998) diz que esses fatores, os quais geralmente não afetam a trajetória profissional dos homens, acabam influenciando profundamente as chances de avanço das mulheres no mercado de trabalho, perpetuando desigualdades.

Vejamos, a seguir, alguns dados que ajudarão a analisar essa realidade de maneira mais concreta. Quanto ao tempo gasto em trabalho doméstico não remunerado, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua 2022 mostra que, enquanto as mulheres dedicam 21,3 horas por semana em afazeres domésticos e cuidados com pessoas, os homens usam quase a metade desse tempo, apenas 11,7 horas semanais. 

Essa preocupação com a forma com que os cuidados com o lar tomam o tempo feminino, fazendo com que as mulheres tenham que abdicar de feitos profissionais em prol da sua família, está em debate há muito tempo. No ensaio lido pela escritora inglesa Virgínia Woolf, para a Sociedade Nacional de Auxílio às Mulheres, em 1931, a figura que assombrava as perspectivas profissionais femininas é descrita como o “anjo do lar”: o ideal de uma mulher que não tem opiniões ou vontades próprias e que está sempre pronta a sacrificar-se pelos entes queridos (Woolf, 2012). E a questão continua viva até hoje, com o debate aberto sobre os entraves que as mães encontram na construção de suas carreiras, com sua produtividade sendo constantemente questionada e comparada a dos homens, que historicamente não são cobrados para se desdobrarem em ambos papéis.

Nesta primeira parte, tratamos sobre alguns pontos acerca das relações de gênero que permeiam as relações de trabalho, como também iniciamos o debate sobre a divisão sexual nesse âmbito. Agora, iremos compreender como as estruturas hierárquicas influenciam nas relações sociais laborais.