A “classe-que-vive-do-trabalho” diz respeito à totalidade de homens e mulheres, trabalhadores, que são explorados e obrigados a vender a sua força de trabalho no campo e na cidade em troca de salário. Eles são os operários industriais e trabalhadores rurais; trabalhadores terceirizados, subcontratados e/ou temporários; assalariados do setor de serviços; o pequeno empreendedor; trabalhadores de aplicativos de transportes; motoboys e dentre tantos outros, além dos desempregados.
Ou seja, estamos falando de todos aqueles trabalhadores altamente precarizados e pobres, que dependem da escola pública e das políticas sociais, que veem no ensino profissionalizante a chave para abrir um mundo de possibilidades no mercado de trabalho e na ascensão social, segundo Antunes (2009).
Historicamente, a Educação Profissional no Brasil se deu por meio das Escolas de Aprendizes e Artífices (EAAs) e outras similares, no começo do século XX, com o objetivo de atender aos “pobres e desvalidos da sorte” (Roschild; Leon, 2021, p.12). O objetivo era qualificá-los para suprir o mercado de trabalho, sobretudo as indústrias. Entretanto, por trás dessa primeira motivação (aparentemente benéfica), essa mesma ação de qualificação objetivava “[...] retirar a população pobre das ruas das cidades, a fim de tornar o espaço urbano aprazível e consonante com a tão almejada modernização” (Roschild; Leon, 2021, p. 3). Logo, percebemos que enquanto a EPT trabalhava em consonância à inclusão, no sentido de profissionalizar os indivíduos de classes mais baixas e inseri-los no mercado de trabalho em uma posição social mais digna, ela também agia em favor da retirada dessas pessoas das ruas e da sua exclusão do convívio social.
Um sinal positivo e esperançoso é perceber que, de lá para cá, muita coisa já mudou. Hoje a EPT é uma modalidade da Educação Básica, contemplada na Lei de Diretrizes da Educação Nacional (LDBEN), nº 9.394 de 1996, que, segundo o Censo Escolar 2023, foi a que mais cresceu no último ano, com 2,41 milhões de matrículas nas redes pública e privada de ensino (Brasil, 2023).
Com a finalidade essencial de preparar “para o exercício de profissões” (LDBEN, 1996), contribuindo para que o cidadão possa inserir-se e atuar no mundo do trabalho e na vida em sociedade, a EPT abrange cursos de qualificação, habilitação técnica e tecnológica, e de Pós-Graduação, organizados de forma a propiciar o aproveitamento contínuo e articulado dos estudos.
A Educação Profissional de nível básico denomina-se “formação inicial e continuada de trabalhadores”; a Educação Profissional de nível técnico denomina-se “educação profissional técnica de nível médio”; e a Educação Profissional de nível tecnológico denomina-se “Educação Profissional Tecnológica, de Graduação e de Pós-Graduação” (Brasil, 2005).
A EPT pode, assim, articular-se com a modalidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA) em caráter preferencial, segundo a LDBEN; e a Educação Básica no nível do ensino médio, na forma articulada de oferta (integrada (conteúdo), concomitante (forma) ou intercomplementar) e na forma subsequente (Brasil, 2024).
A formação inicial e continuada de trabalhadores contempla cursos de formação e qualificação profissional sem exigências de escolaridade mínima, os chamados cursos livres. A Educação Profissional Técnica de Nível Médio (EPTNM), em sua modalidade integrada, associa a formação profissional técnica ao Ensino Médio, tendo no currículo as disciplinas propedêuticas de base comum e as disciplinas técnicas. Na modalidade concomitante, o aluno deve estar cursando o Ensino Médio e concomitantemente o curso técnico, na mesma instituição ou em outra. Já o modelo subsequente exige que o estudante já tenha cursado o Ensino Médio e, então, fará apenas as disciplinas de ordem técnica.
Por suas características, a modalidade integrada é ofertada majoritariamente no período diurno e conta com um público mais jovem que, pelo grande número de disciplinas a cursar, não tem condições de desenvolver trabalhos remunerados. A forma concomitante também traz certa dificuldade para o aluno trabalhador, uma vez que deverá cursar o Ensino Médio e o técnico em turnos diferentes – e até em instituições diferentes. Já os cursos subsequentes contam com um público mais adulto e até idoso, uma vez que o estudante já terá cursado o Ensino Médio, e a maioria é ofertada no período noturno, além de ser um curso com carga horária menor e mais rápido.
Título: Os níveis da Educação Profissional e suas modalidades
Fonte: Prosa (2024b).
Assim, o público da EPT, para além de outras complexidades, é bastante heterogêneo em relação às faixas etárias, englobando desde jovens e adolescentes a partir de 14 anos, até adultos e idosos de classes sociais diversas.
Devido ao alto nível educacional ofertado pelas instituições da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, a EPT deixou de ser um refúgio para os desvalidos da sorte, sendo procurada por pessoas de diversas classes sociais. Dessa forma, por ser escolha de muitos jovens de classes mais abastadas, a Lei de Cotas nº. 12.711/2012, para inclusão de minorias (estudantes de baixa renda e oriundos de escolas públicas), vem para garantir a equidade de acesso, sobretudo nos cursos integrados.
Já nas instituições estaduais e privadas, incluindo o Sistema S , nos cursos técnicos subsequentes, quase sempre no horário noturno, o público preponderante é de trabalhadores e filhos de trabalhadores mais pobres. A grande maioria desse público depende de políticas públicas para a inserção e permanência na EPT, para além da política de cotas, como por exemplo o Programa Trilhas do Futuro do Estado de Minas Gerais, o Programa Pé de Meia do Governo Federal, dentre outras iniciativas.
Diante do que foi trabalhado até aqui, como também os temas abordados no capítulo 1, a realidade brasileira apresenta muitas desigualdades, refletindo no acesso e permanência de estudantes na educação. Então, como podemos pensar métodos de ensino que abarquem e contemplem as diferentes realidades de jovens e adultos trabalhadores que acessam a Educação Profissional e Técnica? Faça conexões dos conhecimentos trabalhados e os registre em seu memorial.
Na próxima parte do capítulo, discutiremos a presença feminina e LGBTQIA+ na EPT.