A relação histórica da EPT com o EM e outras modalidades da Educação

A relação histórica entre a Educação Profissional e o Ensino Médio no Brasil é marcada pela dualidade das redes pública e privada, herança colonial perpetuada pelo Império e nas diversas fases da República. A Educação Profissional, enquanto aprendizagem de artes e ofícios, sempre esteve ligada ao horror ao trabalho manual que a elite escravocrata nunca disfarçou. A instrução secundária e propedêutica preparava seus filhos para os estudos superiores, geralmente na Europa.

A demanda de formação de mão de obra qualificada para a industrialização crescente não aumentou a oferta do Ensino Médio na primeira metade do século XX para os subalternos, nem o status social dos trabalhadores qualificados. Em plena ditadura militar, foi promulgada a Lei nº 5.692/1971, que introduziu a Educação Profissional como parte do Ensino Médio, preparando os alunos para o mercado de trabalho. Não alcançou seus objetivos, uma vez que o ensino público não teve recursos para uma Educação Profissional de qualidade e a educação privada continuou a preparar os estudantes para os vestibulares.

As possibilidades de romper com a dualidade surgiram com a LDB/61, bombardeada pelo peso das escolas confessionais vinculadas à Igreja Católica e posteriormente pelo golpe civil-militar; e, ainda, com a LDBEN/96, torpedeada pelas empresas educacionais e por aqueles que defendiam o Estado mínimo. Ao contrário, o Decreto nº 2.208/1997  “interpretou” a LDBEN ao regulamentar a Educação Profissional e, na prática, impediu a oferta da Educação Profissional integrada ao Ensino Médio.

Somente com o Decreto nº 5.154/2004 e, posteriormente, com a sua incorporação na LDBEN por meio da Lei nº 11.741/2008 é que foi reforçada a articulação entre Educação Profissional e Ensino Médio, acompanhada da adoção de políticas públicas que fomentaram a expansão das redes públicas (federais e estaduais), sobretudo na forma de articulação integrada. A Educação Profissional passou a ter destaque e recursos e, como era de se esperar, velhas e novas disputas se acirraram. 

O “contra-ataque”, representado pela Reforma do Novo Ensino Médio (2017), foi precedido de diversas outras medidas que minaram os espaços de uma possível EPT emancipatória. Tal reforma, considerada por muitos uma contrarreforma, institui a precarização, a banalização e a perda da qualidade da EPT, permitindo a oferta de itinerários formativos, dos quais o quinto seria a Educação Profissional. As lutas pela reversão da contrarreforma e a minimização de seus efeitos danosos levaram a novas propostas, e o resultado provisório, desfavorável à EPT, está consubstanciado nas leis nº 14.645/2023 e nº 14.945/2024.

Dizemos provisório pois, como se alertou na introdução deste tópico, as leis são definidas pelas correlações de força na sociedade. Se, no momento, tal correlação pende para o polo hegemônico, essa posição poderá mudar (como aconteceu anteriormente). Para quando isso aconteça, é importante ter em mente qual projeto de sociedade, de educação e de EPT é mais adequado às necessidades das classes subalternas.

A perspectiva emancipatória entende a EPT como elemento fundamental do desenvolvimento socioeconômico e ambiental, com inclusão e trabalho decente, é um dos pilares de garantia da democracia e da soberania nacional. Percebida, também, como intercessora e promotora do direito ao trabalho e à educação, previstos na Constituição de 1988, exige uma formação integral, vinculada ao território e às comunidades do entorno, formando pessoas, trabalhadores, cidadãos e sujeitos de direitos. Essa modalidade educacional, que antes era vista com descaso e preconceito, passou a ser considerada  como uma das maiores promotoras de oportunidades de emancipação de jovens e adultos trabalhadores no Brasil.

Deste modo, existe uma relação histórica da EPT com o Ensino Médio, com outras modalidades de educação de trabalhadores e trabalhadoras – Educação de Jovens e Adultos (EJA)  e Educação do Campo  – e com a educação indígena e quilombola. Os pontos de convergência podem ser:

  • O público: todos os grupos subalternos, como trabalhadores e trabalhadoras, seus filhos e filhas (adolescentes e jovens) e grupos étnicos em luta por seus direitos. Pode-se ainda acrescentar as pessoas com deficiência (fazendo um elo com a Educação Inclusiva) e as pessoas privadas de liberdade (em medidas socioeducativas ou em regime prisional);
  • O trabalho como princípio educativo: para permitir o olhar além da mera instrumentalização para o mercado e, assim, fazer com que percebam o valor do seu trabalho e a possibilidade de formas de labor, as quais respeitem a dignidade e o potencial humano, sem exploração. A formação crítica contribui para desafiar a alienação e fomentar a autonomia e, além disso, dá sentido, pela criticidade, reflexão e ressignificação, às práticas e vivências prévias que ocorrem durante o processo educativo. Já a elaboração e implementação de projetos comunitários ou de atividades que abordem as necessidades locais fortalece a identidade e a solidariedade entre os membros dos grupos subalternos;
  • A luta pela emancipação: essa não se limita à aquisição de habilidades técnicas, mas inclui desenvolver conhecimentos e habilidades sociais e políticas que permitam a compreensão das realidades social e econômica em que se vive e os mecanismos de opressão e desigualdade que as perpetua. A capacitação para a organização e luta pelos direitos promove a formação da consciência coletiva, que é fundamental para a emancipação.

A convergência dos objetivos e princípios, além dos conteúdos necessários, as metodologias adequadas e o respeito à diversidade e cultura locais perpassam os processos educativos, fortalecendo o polo contra-hegemônico. Entretanto, como se verá no próximo capítulo, o polo hegemônico utiliza todo seu poderio para conformar a educação nacional.

Para refletir: sua experiência histórica

Agora que você já estudou a origem da legislação sobre o Trabalho, a Educação e a EPT, analise e responda às perguntas, para compor o seu memorial. 

  • Você vivenciou como estudante, docente ou gestor as etapas históricas abordadas neste tópico? Quais delas?
  • Qual sua avaliação da política, do processo e da sua participação?
  • Você participou ou tem notícia de atividade de formação de docentes e da comunidade escolar voltada para compreensão dos direitos, inclusive educacionais?
  • Qual sua avaliação da existência (ou não existência) deste tipo de formação?

Glossário

Instrumentos legais mais utilizados na Educação

  • A lei é uma norma jurídica, aprovada pelo legislativo e sancionada pelo executivo, que estabelece regras e princípios que devem ser seguidos pela sociedade em geral e pelos servidores e agentes públicos em geral. No contexto da Educação, as leis regulam, por exemplo, a organização do sistema educacional, a formação de professores e a obrigatoriedade do ensino, sendo a principal delas a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), que estabelece as diretrizes gerais da educação no Brasil.
  • O decreto é um ato administrativo emanado de uma autoridade superior, geralmente do executivo (mas que também pode ser emanado pelo legislativo e judiciário em casos especiais), que regulamenta a aplicação de leis ou estabelece normas específicas. Na Educação, os decretos podem ser utilizados para implementar políticas educacionais, como a criação de programas ou a regulamentação de procedimentos administrativos dentro das instituições de ensino.
  • A portaria é um ato administrativo que contém instruções sobre a aplicação de leis ou decretos. Na Educação, as portarias são frequentemente emitidas pelo Ministério da Educação e pelas secretarias estaduais e municipais de educação e podem tratar de assuntos como normas de funcionamento das escolas, diretrizes para matrícula e outros procedimentos administrativos.
  • A instrução normativa é um ato normativo que tem como objetivo orientar a aplicação de leis e regulamentos, sem criar novas obrigações. Constituem “manuais” de execução dos programas, porém com valor normativo. Na Educação, as instruções normativas são utilizadas para detalhar procedimentos e diretrizes que devem ser seguidos pelas instituições de ensino e pelos profissionais da educação, assegurando a conformidade com as normas existentes.
  • O parecer é um documento que expressa a opinião técnica ou jurídica sobre um determinado assunto. Na Educação, os pareceres podem ser elaborados por órgãos consultivos (Conselhos e Fóruns de Educação) e servir como base para a tomada de decisões administrativas, como a análise de recursos ou a interpretação de normas educacionais.
  • A resolução é uma norma jurídica que disciplina assuntos decorrentes de um parecer ou de interesse interno de um órgão ou entidade. No âmbito educacional, as resoluções podem estabelecer diretrizes para a implementação de políticas educacionais, como a criação de comissões ou a definição de critérios para a avaliação de instituições de ensino.

Divisões internas das leis

  • Artigo (abreviação art.) é a divisão em um texto legal que permite que se encontre uma informação; separa assuntos distintos, sendo utilizados numerais ordinais partindo do 1º até o quanto seja necessário.
  • Caput (“cabeça”, em latim) indica a parte principal de um artigo, para diferenciá-la de parágrafos, incisos e alíneas.
  • Parágrafo é o desdobramento de um artigo, que complementa o que está sendo exposto na lei ou casos de exceção à regra, sendo utilizado o símbolo “§”, seguido de numerais ordinais quando houver mais de um § no artigo e “parágrafo único” caso tenha apenas um;
  1. Inciso é a divisão de um artigo ou parágrafo que detalha o que está sendo exposto, sendo representados por numerais romanos (I,II,III etc.).
  • Alínea é a subdivisão dos incisos ou parágrafos que lista as partes do que está sendo exposto, sendo escrita com letras minúsculas e parênteses { a), b), c)…g)….}.
  • Item é a subdivisão da alínea, sendo representada por algarismos cardinais (1., 2.,3. etc.).