Da Ditadura Militar à redemocratização: a pedagogia tecnicista e a Constituição Federal de 1988

Para dar prosseguimento aos nossos estudos e amparados por Marise Nogueira Ramos (2014), vejamos as diferentes funções desempenhadas pelas instituições de ensino de EPT no decorrer da história da educação brasileira. 

Funções desempenhadas pelas instituições de ensino de EPT no decorrer da história da educação brasileira

Título: Funções desempenhadas pelas instituições de ensino de EPT no decorrer da história da educação brasileira
Fonte:
Ramos (2014).
Elaboração: 
Prosa (2024b).

Nesta seção, vamos compreender o contexto histórico que marcou a  Ditadura Civil-Militar no Brasil (1964-1985) e, nela, a implementação da pedagogia tecnicista. Para tanto, precisamos retomar o ano de 1961, quando foi instituída a primeira LDB (Lei nº 4.024/1961), que incluiu a Educação Profissional no Ensino Médio, organizado em dois ciclos: o ginasial e o colegial. 

Para Dante Henrique Moura (2007), a superação da dualidade no sistema educacional, marcada pela separação entre o ensino propedêutico, voltado para as elites e centrado em conhecimentos teóricos (como Ciências, Letras e Artes), e o ensino técnico ou profissionalizante, direcionado às classes populares e focado no treinamento para o trabalho, foi atenuada com a aprovação da LDB. Essa legislação previu a articulação sem restrições entre os ensinos secundário e profissional, garantindo equivalência plena, de modo a extinguir formalmente a dualidade no ensino.

Em recreio. Um grupo de aprendizes na primeira lição de ginástica militar.

Título: Atividades de Artes Plásticas desenvolvidas por professores e estudantes do Ginásio Vocacional Candido Portinari, Batatais/SP
Fonte:
Acervo CEDIC-PUC (1966).
Elaboração:
Memorial da Resistência de São Paulo.

 

Com relação à formação de professores, a LDB de 1961, no Capítulo IV, Art. 59, previu que “A formação de professores para o ensino médio será feita nas faculdades de filosofia, ciências e letras e a de professores de disciplinas específicas de ensino médio técnico em cursos especiais de educação técnica”. Lucília Regina de Souza Machado (2013) e Helena Gemignani Peterossi (1992) ressaltam que, embora o texto da LDB procurasse superar a diferenciação entre os cursos ao torná-los equivalentes, a discriminação em relação à educação técnica ainda estava presente, pois previa uma formação distinta: curso superior de graduação para professores do Ensino Médio e curso técnico-profissional para professores de disciplinas técnicas.   

A exemplo dos decretos do Ensino Técnico da reforma Capanema, a LDB não esclareceu o que seriam os “cursos especiais de educação técnica” e nem remeteu à regulamentação posterior. Esta matéria, segundo Machado (2013), suscitou a edição de vários pareceres do Conselho Federal de Educação e portarias do MEC para definir e operacionalizar o teor do art. 59, “[...] de forma que até hoje a referência mais forte que se tem é a de que a formação docente para a educação profissional deve se dar em cursos especiais” (Machado, 2013, p. 350). Essas soluções, inicialmente consideradas emergenciais e temporárias, tornaram-se permanentes e estabeleceram um conjunto de referências que ainda hoje influenciam as diretrizes para a formação docente na área de educação profissional e tecnológica (Machado, 2013).

Durante o Regime Militar, foram aprovadas legislações de cunho tecnicista visando reestruturar a educação para adequá-la ao modelo econômico de internacionalização do mercado interno. As mudanças no mundo do trabalho exigiram outro perfil de trabalhador, cuja formação, segundo Acácia Zeneida Kuenzer (2009), deve desenvolver as capacidades intelectuais que o permitam adaptar-se ao modo de produção flexível. Entretanto, a autora ressalta que essa formação não foi estendida a todos, criando “[...] uma nova casta de profissionais qualificados, a par de um grande contingente de trabalhadores precariamente educados, embora ainda incluídos, porquanto responsáveis por trabalhos também crescentemente precarizados” (Kuenzer, 2009, p. 32). 

Naquele contexto econômico, houve, em 1971, a Reforma do Ensino de 1º e 2º graus (Lei nº 5.692/1971), que promoveu alterações na Educação Básica, transformando o Ensino Médio  compulsoriamente em profissionalizante. Quanto às razões para essa opção política, Silvia Maria Manfredi (2002, p. 105) destaca que esse encaminhamento se  deu num momento em que o Brasil “[...] objetivava participar da economia internacional e, nesse sentido, delegou (entre outras coisas) ao sistema educacional a atribuição de preparar os recursos humanos para a absorção pelo mercado de trabalho”. Porém, além desse objetivo, tal legislação teve outros interesses, como o de conter o acesso à universidade por parte da classe média, já que a demanda por vagas havia crescido muito naquele período. Moura (2007, p. 12) reporta que, à primeira vista, a lei parecia superar a dualidade do sistema de ensino, mas não foi isso que ocorreu, uma vez que a obrigatoriedade se deu apenas nas redes públicas de ensino, principalmente nos sistemas de ensino estaduais e federal, enquanto as escolas particulares mantiveram currículos propedêuticos focados em ciências, letras e artes, voltados para atender às elites (Moura, 2007).

Diante dessas dificuldades, houve flexibilização das normas por meio do Parecer CFE nº 76/1975 e, posteriormente, da Lei nº 7.044/82, que extinguiu a obrigatoriedade da profissionalização do ensino de 2º grau, tornando-a facultativa. O oferecimento de cursos de Educação Profissional foi restringida daí em diante, pois foram extintas das redes estaduais e privadas, exceto nas Escolas Técnicas Federais, nas Escolas Agrotécnicas Federais e alguns poucos sistemas estaduais de ensino.