A EPT desde o Brasil Colônia até 1964
Inicialmente, iremos estudar a história da Educação Profissional durante o período Colonial (entre 1500 e 1822) e o período Imperial (entre 1822 e 1889) e, para tanto, é necessário destacar, logo no começo, a nomenclatura utilizada para denominar a Educação Profissional. Luiz Antônio Cunha (2005), ao estudar esse recorte cronológico, optou por utilizar “ensino de ofícios”, tendo em vista que tal denominação era recorrente na época. No entanto, devemos compreender que o ensino de ofícios não é um sinônimo de Educação Profissional, mas um de seus formatos situado espacial e temporalmente.
O ensino de ofícios ocorreu em uma sociedade marcada pelo trabalho escravo e contribuiu para intensificar a dualidade entre o trabalho manual e o trabalho intelectual. O primeiro, costumeiramente relacionado às atividades impostas às pessoas escravizadas, acaba por ser desvalorizado; enquanto o segundo representa o componente de desigualdade social. Dessa forma, a educação brasileira passa a se constituir de forma dual, com uma educação escolar que proporcionava uma formação intelectual destinada às elites, e o ensino de ofícios destinado às camadas populares.
Caracterizado como , o ensino de ofícios compreendia o trabalho como meio redentor, o qual viabilizaria a inserção em uma vida livre de criminalidade e de vícios àqueles órfãos chamados de “desvalidos da fortuna”. Para a professora Jussara Gallindo (2013), no Brasil Colonial, a educação institucionalizada era direcionada apenas aos homens livres, restringindo-se aos dirigentes e à população livre que supria as necessidades da Coroa.
Sônia Maria Fonseca (2021) menciona a existência de três planos de estudo no período Colonial: de Nóbrega, de Pombal e de Lebreton. Prevendo, antes de tudo, a conclusão dos estudos elementares, o plano de Nóbrega propunha o aprendizado profissional e agrícola de maneira estruturada, uma vez que o ensino das profissões manuais (que era levado a cabo pelos jesuítas) não teve caráter sistematizado. Em relação ao plano de Pombal , as reformas realizadas durante sua gestão como ministro incidiram sobre a criação das aulas régias ou aulas avulsas, tendo sido uma importante iniciativa educacional do período Colonial e do Brasil Imperial, criadas no início do século XIX, durante o reinado de Dom João VI – fundamentais para a organização do sistema educacional no Brasil, especialmente em um momento em que a família real portuguesa havia se transferido para o Brasil, em 1808. As buscavam modernizar o país e expandir o sistema de ensino, mas não chegaram a se constituir como alternativa para a formação no campo das artes e dos ofícios.
Já no l, de 1808 até 1821), foi criado o Colégio das Fábricas (1808), que tinha caráter assistencialista e era destinado aos órfãos. Com a vinda da Missão Francesa (1816) ao Brasil, Lebreton , seu líder, apontava uma escola que atendesse a formação para as Belas Artes e para os ofícios. Por motivos econômicos, com os mesmos professores e com o mesmo espaço, acabou não se consolidando o almejado, tendo-se criado a Escola de Belas Artes (1816) com a finalidade de atender às elites.
(que ocorreu dentro do período ColoniaPara os pesquisadores Eraldo Leme Batista e Meire Terezinha Müller (2021), a formação profissional no período Imperial e Colonial era reservada às classes trabalhadoras, sendo que as academias militares também ofereciam cursos de formação profissional, utilizando a mão de obra infantil para manter seus arsenais. No Império, com o objetivo de formar os jovens órfãos, difundiram-se as Escolas de Aprendizes e Artífices, as quais cabiam às províncias, conforme o Ato Adicional de 1834.
Título: Um grupo de aprendizes na primeira lição de ginástica militar
Fonte: Coleção Nilo Peçanha (1910).
Elaboração: Museu da República/IBRAM.
Durante os períodos Colonial e Imperial, a EPT ainda não existia como uma estrutura formalizada e organizada. Contudo, é possível identificar práticas de ensino voltadas para ofícios manuais e técnicos, principalmente em espaços informais e, posteriormente, em instituições criadas durante o Brasil Império. No Brasil Colônia, os "professores" da época eram os mestres de ofício que não tinham formação pedagógica, mas uma vasta experiência em suas áreas de atuação. Eles ensinavam habilidades artesanais e técnicas, como marcenaria, ferraria, alfaiataria, entre outros. Conforme Lucas Melgaço da Silva e Maria Isabel Filgueiras Lima Ciasca (2021), esse ensino acontecia informalmente, com os aprendizes adquirindo as habilidades por meio da observação e da prática sob a supervisão de um mestre.
Já no (de 1822 a 1889), algumas mudanças ocorreram no campo da educação. A necessidade de modernizar o país impulsionou a criação de algumas instituições voltadas para o ensino de ofícios e para a formação técnica. Os professores eram, em grande parte, profissionais europeus com formação formal em áreas específicas que vinham ao Brasil com a missão de ensinar técnicas modernas de produção industrial e artística, principalmente nas áreas de arquitetura, escultura e pintura (Silva; Ciasca, 2021).
No
, que teve início em 1889 com a Proclamação da República e perdurou até 1930 – período também denominado Primeira República ou República Velha –, é possível constatar algumas continuidades e novidades concernentes à educação. A transição de um sistema monárquico para um republicano fez com que fosse atribuída à educação um papel civilizatório, ou seja, os súditos deveriam converter-se em cidadãos. Em outras palavras, a educação era vista como o meio para transformar as pessoas, que eram subordinadas e passivas, em cidadãos ativos, responsáveis e conscientes de seus direitos e deveres dentro da nova ordem republicana. Nesse contexto, o voto passou a ter um papel preponderante, entretanto, quem era analfabeto estava privado desse direito, evidenciando a necessidade de ampliação do número de pessoas alfabetizadas.
Aspectos históricos da educação no Brasil - de 1500 a 1930
Período Colonial (de 1500 a 1822): Plano de Nóbrega, com o aprendizado profissional agrícola; Plano de Pombal, com as aulas régias; e a vinda da família Real (1808), com a criação do Colégio das Fábricas e da Escola de Belas Artes (Plano Lebreton).
Período Imperial (de 1822 a 1889): apresenta-se a necessidade de modernização do país. Nesse período, houve a criação de instituições voltadas para o ensino de ofícios e para a formação técnica.
Período Republicano (de 1889 a 1930): a educação passa a ter um papel civilizatório, com o objetivo de transformar as pessoas em cidadãos conscientes dos seus direitos. O voto é um marco importante do período.
Ainda sobre o Período Republicano, Jorge Nagle (2009) relata um contexto de transformações sociais, econômicas e culturais, no qual se originaram dois movimentos: o otimismo pedagógico e o entusiasmo pela educação. Para esse autor, acreditava-se, por um lado, que várias camadas sociais seriam incorporadas na trilha do progresso nacional através da multiplicação das instituições escolares. Por outro lado, enquanto fundamentação pedagógica, o pautaria as práticas dessas instituições, uma vez que este movimento procurou reformular o ensino com base em novas concepções sobre o papel da educação na sociedade e no desenvolvimento integral do ser humano, sendo uma reação às práticas pedagógicas tradicionais e autoritárias.
Batista e Müller (2021) afirmam que a República se pautou no discurso de educar e higienizar a nação, tendo contado com iniciativas na saúde pública e na urbanização, bem como com a escola, a qual foi utilizada como meio transmissor dessas ideias. Nesse período, o Brasil ainda era preponderantemente agrícola, mas havia um interesse em incentivar a industrialização. Durante o governo do presidente Afonso Pena (1906-1909), foi criado o Ministério dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio, ao qual as instituições voltadas à formação para o trabalho seriam subordinadas.
A compreensão da indústria como elemento de modernidade influenciou diversas decisões tomadas em esfera nacional, as quais também pautaram os governos estaduais. Em 1903, Nilo Peçanha (então governador do Rio de Janeiro) criou quatro escolas profissionais, sendo três para o ensino de ofícios e uma para a aprendizagem rural. A formação propiciada nesses espaços era totalmente desvinculada de uma fundamentação teórica e objetivava a formação de mão de obra para atuar nas manufaturas. Acreditando na educação como ferramenta para alavancar o progresso do país, o governador apresentou à Câmara dos Deputados, em 20 de dezembro de 1906, a proposição 195, que tratava da criação de escolas técnicas de nível intermediário, as quais contariam com dotação orçamentária própria. Batista e Müller (2021) destacam que foi a primeira vez em que o Estado designou verbas exclusivas para a abertura e manutenção de escolas profissionais federais.
Para refletir: educação escolar e sociedade no Brasil
Título: Diálogo Sem Fronteira - Sociedade, História e Educação no Brasil com professor Dermeval Saviani
Fonte: Programa Diálogo Sem Fronteira/RTV Unicamp (2013).
Na próxima parte deste capítulo, continuaremos discutindo o período Republicano, mas com enfoque na Era Vargas.