CAPÍTULO 2
Ensino integrado e práxis transformadora
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Caro estudante,
No capítulo 1, denominado “Experiências inspiradoras de ensino integrado no Brasil contemporâneo”, abordamos três espaços institucionais que, embora com distintas características, convergem no desenvolvimento de experiências inspiradoras do Ensino Médio Integrado (EMI): a RFEPCT, a EPSJV e a Rede Estadual de Educação do Paraná.
Dando continuidade aos estudos, neste capítulo 2 retomaremos os conceitos de ensino integrado e de práxis transformadora para situá-los como fundamento para o desenvolvimento do trabalho docente cooperativo, com base em uma atitude integradora. No próximo capítulo, discutiremos efetivamente as práticas integradoras em EPT.
Na unidade temática "Trabalho-Educação: Fundamentos teóricos e didáticos II", você estudou os conceitos de omnilateralidade, politecnia e escola unitária, e a forma como eles se relacionam com o EMI. Não rediscutiremos em profundidade esses conceitos, mas vamos aprofundar, principalmente, a discussão sobre a relação que há entre eles. Essa ação é necessária porque o conceito de EMI se fundamenta na omnilateralidade, na politecnia e na escola unitária, mas não se confunde com elas e é muito importante que isso seja bem compreendido.
Os conceitos de omnilateralidade e de politecnia, em
, e de escola unitária, em , situam-se em um mesmo campo e sinalizam para a formação integral e plena. Assim, embora não tenham exatamente o mesmo significado, em nossa discussão iremos considerá-los convergentes. Para fazer essa aproximação, nos apoiamos em Frigotto (2003). O autor considera quedois conjuntos de categorias - filosófica, pedagógica e politicamente articulados – formaram, na década de 80, o eixo conceptual em torno do qual se buscou pensar a educação para o conjunto da sociedade brasileira: a concepção de escola unitária e de educação ou formação omnilateral, politécnica ou tecnológica. É importante perceber como essas categorias efetivamente sinalizam para um devenir e não são meras elucubrações de visionários
Na mesma direção, Saviani (2003) afirma que o atual desenvolvimento das forças produtivas demanda a “universalização de uma escola unitária que desenvolva ao máximo as potencialidades dos indivíduos (formação omnilateral), conduzindo-os ao desabrochar pleno de suas faculdades intelectuais-espirituais” (p.148). Mas, apesar disso, como é a propriedade privada dos meios de produção que fundamenta as relações sociais vigentes, isso impede que haja incorporação das tecnologias avançadas de forma generalizada nos processos produtivos, impedindo também
[...] a universalização da escola unitária, vale dizer, a formação omnilateral preconizada pela concepção de politecnia.
Em suma, para esses autores, escola unitária, omnilateralidade e politecnia estão no mesmo campo conceitual, o qual a produção acadêmica brasileira do campo trabalho e educação vem sintetizando como formação humana integral. Para essa concepção formativa, a Educação Básica tem que ser universalizada de forma igualitária para todos. Logo, a profissionalização somente deve ocorrer após a conclusão da Educação Básica, seja no Ensino Superior ou em profissões de nível médio.
Nesse sentido, na obra Instruções para os delegados do Conselho Geral Provisório, Marx afirma que a educação deve ser compreendida em três níveis: na educação mental ou intelectual; na educação física; e na “instrução tecnológica, que transmite os princípios gerais de todos os processos de produção e, simultaneamente, inicia a criança e o jovem no uso prático e manejo dos instrumentos elementares de todos os ofícios.” (Marx, 1982b, n.p.)
Importante observar, especialmente na terceira dimensão formativa supracitada, a instrução tecnológica, que, para Marx, não se trata de uma profissão específica, mas de “princípios gerais de todos os processos de produção” que “inicia a criança e o jovem no uso prático e manejo dos instrumentos elementares de todos os ofícios” (Marx, 1982b, n.p.), logo, sem profissionalização stricto sensu, pois essa é unilateral, opondo-se à omnilateralidade.
Mas, ao calcar seus estudos na realidade concreta, Marx defende a necessidade da existência de escolas técnicas em direção à formação omnilateral. Na crítica ao
, prefaciado por Engels, afirma: “O parágrafo sobre as escolas deveria, pelo menos, ter reclamado escolas técnicas (teóricas e práticas) em ligação com a escola primária” (Marx, 1982, n.p.)Assim, Marx e Engels, ao discutirem a educação do seu tempo, acolhem a possibilidade da profissionalização dos jovens quando associada à educação intelectual, física e tecnológica, compreendendo-a como o germe da educação do futuro (Marx, 1996).
Por sua vez, Gramsci critica a tendência italiana de “abolir qualquer tipo de escola ‘desinteressada’ (não imediatamente interessada) e ‘formativa’, [...] bem como a de difundir cada vez mais as escolas profissionais especializadas, nas quais o destino do aluno e sua futura atividade são predeterminados.” (Gramsci, 2000, p. 33). Por isso, defende que
[...] na escola unitária, a última fase deve ser concebida e organizada como a fase decisiva, na qual se tende a criar os valores fundamentais do "humanismo", a auto-disciplina intelectual e a autonomia moral necessárias a uma posterior especialização, seja ela de caráter científico (estudos universitários), seja de caráter imediatamente prático-produtivo (indústria, burocracia, organização das trocas, etc.). O estudo e o aprendizado dos métodos criativos na ciência e na vida deve começar nesta última fase da escola, [...] esta fase escolar já deve contribuir para desenvolver o elemento da responsabilidade autônoma nos indivíduos, [...]
Como vimos, para Gramsci, a escola unitária por princípio não é profissionalizante: até concluí-la, por volta dos 17 ou 18 anos de idade, os jovens devem apenas estudar. Mas, igualmente a Marx e Engels, o autor também admite, dada a realidade da Itália nas primeiras décadas do século XX (onde viveu e realizou suas pesquisas), que “a fixação da idade escolar obrigatória depende das condições econômicas gerais, já que estas podem obrigar os jovens a uma certa colaboração produtiva imediata” (Gramsci, 2000, p. 36).
Ao afirmar que as “condições econômicas gerais” podem determinar que jovens precisem trabalhar antes de concluir a escola unitária, o teórico italiano não aceita abertamente a profissionalização, mas a existência de uma fase de transição na qual pode haver profissionalização precoce dos jovens em razão de suas condições de vida. Ou seja, na mudança para a escola unitária, haverá transição na qual coexistirão distintas escolas, dentre elas as profissionalizantes (Moura; Lima Filho; Silva, 2015).
Evidencia-se a consciência de que a escola unitária para todos não é algo que se possa materializar imediatamente, de forma que haverá continuidade das escolas técnicas por um período impossível de ser previsto com exatidão.
Sugerimos, abaixo, a leitura dos seguintes estudos, que servirão de aporte para a complementação da sua formação:
O texto "Concepção do ensino médio integrado" e o artigo "Ensino médio integrado: da conceituação à operacionalização", ambos de Marise Ramos, discutem a concepção do EMI a partir do debate sobre projetos de sociedade e concepções de mundo em disputa. Ramos contrapõe o projeto excludente, alinhado aos interesses do capital (que fragmenta os sujeitos e que nega direitos), a um projeto que inclui e valoriza pessoas e que, portanto, persegue a construção de uma sociedade justa e integradora. A autora defende o EMI como parte desse segundo projeto e discorre sobre três sentidos que o fundamentam: o filosófico, que converge para a formação omnilateral; o político, que assume a indissociabilidade entre educação profissional e educação básica; o epistemológico, que busca a integração de conhecimentos gerais e específicos como uma totalidade.
Além dos textos de Marise Ramos, sugerimos os vídeos abaixo, do programa Educação em Pauta, desenvolvido pelo IFRN - Campus Natal, para complementar a discussão acerca da temática:
Educação em Pauta - Gaudencio Frigotto 2016)
Educação em Pauta - Dante Moura (2016)
Por fim, indicamos a palestra "Ensino Médio Integrado e suas dimensões ontológicas, epistemológicas e políticas", com o Dr. Gaudêncio Frigotto, promovida pelo Grupo de Pesquisa em Linguagens (GPeL) do IFRO Campus Vilhena, no Projeto Ciclo de Conversas: Perspectivas sobre o uso da linguagem nas diversas áreas do conhecimento.