Redes estaduais de educação e a experiência do Paraná de 2003 a 2010

No Brasil, a maior parte dos alunos da Educação Básica está matriculada nas redes públicas, o que corresponde a 80,71% das matrículas. Especificamente no Ensino Médio, as redes estaduais concentram cerca de 83,69% dos alunos, enquanto as escolas federais abrigam apenas 2,82%. Fazendo o recorte sobre o EMI, as matrículas também são predominantemente nas redes estaduais, com 65,7%, enquanto a esfera federal abarca 26,2% dos alunos (Brasil, 2024). Vale ressaltar que esses dados incluem as matrículas da modalidade EJA. Esses dados, conforme também podemos observar no infográfico abaixo, evidenciam a importância da oferta pública de Educação Básica, em especial das redes estaduais; no caso do Ensino Médio, incluindo o EMI. Portanto, ao pensar a docência na EPT, é essencial considerá-la como um espaço de oferta.

Educação como Direito: O papel essencial das redes públicas

Título: Educação como direito: o papel essencial das redes públicas
Fonte:
Ministério da Educação (2024); Gaia Schüler (2023c).
Elaboração: 
Prosa (2024e).

A realidade das redes estaduais é bastante complexa por várias razões. A não materialização efetiva de um sistema nacional de educação, previsto constitucionalmente, impede que se concretize uma política de Estado para a educação (Saviani, 2010a; 2010b). Assim, em meio a disputas políticas e ideológicas, cria-se um ambiente no qual os entes subnacionais muitas vezes não se alinham às diretrizes nacionais. Também falta infraestrutura física e condições adequadas para o ato educativo em muitos casos, inclusive, para o trabalho e a formação docente. 

Para um maior aprofundamento nas questões políticas educacionais, tema crucial para a formação docente, indicamos a leitura dos seguintes textos de Demerval Saviani, publicados em 2010 nas revistas Educação & Sociedade e Revista Brasileira de Educação, respectivamente: 

Mesmo em meio a essas dificuldades, alguns estados tomaram a decisão política de implementar o EMI como política pública ainda nos anos 2000. Cabe destacar que, dentre as primeiras redes que iniciaram a construção dessa política, o Ceará (CE), a Bahia (BA) e o Paraná (PR) se destacaram nesse período. Em 2011, nesses estados, os percentuais de matrículas do EMI em relação à matrícula total do Ensino Médio eram, respectivamente, 6,6%, 5,4% e 6,5%, as maiores do país – e todas muito acima da esfera federal. 

É importante destacar que os princípios e fundamentos que norteavam o EMI não eram os mesmos nesses estados. O Ceará e o Paraná, por exemplo, estavam em pólos antagônicos. O EMI/CE se fundamentou (e assim continua) na Tecnologia Empresarial Odebrecht (TEO), que, posteriormente, se transformou em Tecnologia Empresarial Socioeducacional (TESE), que tem como pilares o empreendedorismo, o protagonismo juvenil e o projeto de vida, visando conformar os estudantes à racionalidade neoliberal por meio do processo formativo (Nascimento, 2016). Nessa lógica, o estudante é visto apenas como uma peça ou engrenagem em um sistema com princípios que objetivam, unicamente, o acúmulo de capital. Convidamos você a analisar a ilustração abaixo. Você identifica esses princípios na instituição em que trabalha?

EPT com princípios neoliberais: uma peça do sistema capitalista

Título: EPT com princípios neoliberais: uma peça do sistema capitalista 
Fonte: 
Prosa (2024f).

Por outro lado, o EMI/PR, naquela época, fundamentou-se na concepção de formação humana integral

[...] para superar a perspectiva direcionada para o simples adestramento e adaptação às demandas ditadas pelo mercado e, portanto, pelo capital. Em última instância, significa incorporar os princípios de uma escola unitária e de uma educação politécnica ou tecnológica

(Paraná, 2006, p. 41).

Diante do exposto, e considerando o referencial teórico deste curso, faz-se necessário refletir sobre o EMI/PR no período de 2003 a 2010, nos dois mandatos do governador Roberto Requião

O Paraná foi o primeiro estado do país a implantar o EMI, em 2004, antes mesmo da publicação do Decreto nº 5.154/2004 (Griebeler e Figueiredo, 2018, p. 241), evidenciando a preocupação política do governo estadual da época de implantar a modalidade de ensino. Dois anos depois, foi organizado e publicado o documento Diretrizes da educação profissional: fundamentos políticos e pedagógicos (Paraná, 2006), que defende e assume a concepção de formação integral dos estudantes com base nos princípios da politecnia, da omnilateralidade e da escola unitária.

A ação governamental na esfera legal e normativa também foi fundamental. Sancionou-se a Lei Complementar nº 103/2004, que “Institui e dispõe sobre o plano de carreira do professor da rede estadual de educação básica do Paraná e adota outras providências” (Paraná, 2004), a qual incluiu nesse plano o cargo de professor na Educação Profissional. Essa lei também criou o Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE-PR) com o objetivo de proporcionar aos professores da rede pública estadual subsídios teórico-metodológicos para o desenvolvimento de ações educacionais sistematizadas dirigidas ao redimensionamento das práticas docentes.

Na mesma direção, por meio do Edital nº 11/2007 (GS/Seed-PR), o governo do estado realizou o “Concurso Público para o provimento de vagas no cargo de professor do quadro próprio do magistério, [...] nas áreas/subáreas, da formação específica dos cursos da Educação Profissional, em nível médio” (Paraná, 2007, grifo nosso).

Para saber mais:

Nesse processo, as ações direcionadas à formação continuada dos professores do EMI também foram importantes (Nascimento; Amorim, 2008). Cabe destacar o programa "Nós da Educação", veiculado pela TV Paulo Freire/PR, em que vários especialistas no EMI discutiram o tema. Agora, convidamos você a conferir, a seguir, alguns desses programas que exemplificam essas ações de formação continuada e complementam a discussão acerca das experiências inspiradoras referentes ao ensino integrado:

Nós da Educação - Gaudencio Frigotto (2008)

Nós da Educação - Dante Moura (2010)

Ante o exposto, pode-se concluir que houve um grande esforço do governo estadual do Paraná, no sentido de construir uma política pública para a Educação Profissional, e em particular para o EMI – o que é atestado pela produção acadêmica sobre o assunto. Contudo, essa produção também identifica problemas.

Saldanha e Rita Oliveira (2012) sintetizam muito bem os avanços e os percalços desse esforço paranaense de consolidar o EMI como política pública:

A principal contradição referiu-se à falta de uma política pública de financiamento que ampliasse os recursos às escolas, na proporção da expansão realizada, comprometendo a materialidade da proposta. Embora haja um aumento de investimento em profissionais para a Educação Profissional, estes também se revelaram insuficientes. O processo de constituição da Educação Profissional integrada no Paraná (2003-2010) [...] procura garantir, de forma pública, o acesso ao conhecimento e à formação integral - pressupostos do currículo integrado - através da reflexão crítica ao conjunto das relações sociais do capitalismo, na tentativa de construção da autonomia dos sujeitos, condição para a emancipação dos jovens trabalhadores e travessia para a escola unitária

(Saldanha; Oliveira, 2012, p. 54).

Estudos convergentes também aparecem em Viriato (2010), Griebeler (2013), Griebeler e Figueiredo (2018), Czernisz e Barion (2013), dentre outros.

Apesar da experiência do EMI/PR no período analisado (2003 a 2010) ter sido inspiradora, foi descontinuada nos governos seguintes daquele estado em sua fundamentação teórica, de maneira que, atualmente, o Ensino Médio (e consequentemente o EMI/PR) está vinculado a uma perspectiva economicista de educação que fragmenta o currículo, precariza a formação dos estudantes e desqualifica o trabalho docente (Silva, Barbosa, Korbes, 2022; Barbosa e Alves, 2023)  

Não obstante, é muito importante dar luz a esse movimento, pois demonstra que a decisão política e a execução das ações decorrentes são essenciais para materializar a política pública. Atesta-se que, mesmo frente a dificuldades, é possível avançar nas redes estaduais, na direção de concretizar políticas de educação profissional norteadas pela concepção de formação integral dos estudantes – desde que haja decisão política nessa direção.

Para refletir: estrutura e alcance do EMI

Partindo das discussões elaboradas até aqui sobre os diferentes exemplos de EMI oferecidos pelas esferas estadual e federal, assim como decisões políticas influenciam e influenciaram historicamente desde sua fundação, manutenção e expansão até a descaracterização dessas instituições, apresentaremos algumas questões para aprofundar a reflexão em seu Memorial em relação às disparidades entre as redes e o impacto dessas políticas:

  • Você já parou para pensar o que significa para adolescentes, jovens e adultos do nosso país, que residem nas periferias das grandes cidades e no interior, a possibilidade de estudar o EMI em um instituto federal em razão da expansão e interiorização da RFEPCT? E sobre o fato de que, mesmo com essa importante expansão, a matrícula total no Ensino Médio oferecido por essa Rede não chega a 3% do total da matrícula nesta etapa em nosso país?
  • Por que as escolas das redes estaduais, as quais concentram quase 85% da matrícula do Ensino Médio nacional, não têm a mesma infraestrutura física existente na RFEPCT?
  • Por que os professores das redes estaduais não têm as mesmas condições de trabalho, incluindo remuneração, nem de formação continuada de seus pares que atuam na RFEPCT?
  • Você percebe essas diferenças em sua região? Como isso afeta o cotidiano escolar?