capítulo 2
Por que cultura digital?

Cultura, trabalho e tecnologia
O que você faria se acordasse amanhã e não pudesse mais acessar a internet em seu celular?
Independentemente de sua resposta, tenho certeza de que concordamos com o seguinte: não é mais possível imaginar nossa vida cotidiana sem redes sociais, sem streamings com opções quase infinitas de músicas, filmes e séries, sem Alexa e ChatGPT, sem lojas virtuais que vendem até o que nem sabíamos que existia, sem jogos on-line, sem trabalho remoto, sem Educação a Distância, sem aplicativos de carro, comida, namoro, banco, entre outros exemplos que fazem parte do nosso dia a dia na sociedade contemporânea.

É inegável que as tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs) permeiam nossos comportamentos, práticas, valores, formas de interação e comunicação hoje em dia. Isso porque vivemos na cultura digital.
E por que cultura digital? Iniciemos com a cultura.
Seriam as crenças, costumes, hábitos, práticas, formas de agir, pensar e comunicar-se que caracterizam a vida social? Conforme nos explica o antropólogo e professor José Luiz dos Santos (2012) em seu texto , a cultura em si, bem como a concepção do que seja cultura, é uma construção histórica e coletiva do ser humano. Portanto, é dinâmica: muda de acordo com as condições materiais disponíveis a cada grupo social em determinado tempo e espaço.
Sabemos que o ser humano é o único animal que nasce inacabado, que para sobreviver precisa produzir os meios necessários à sua própria existência. Diferentemente dos outros animais que se adaptam à natureza para sobreviver, o ser humano necessita adaptar as condições naturais que encontra às suas necessidades e, para tanto, atua sobre a natureza, transformando-a. Nesse sentido,
“[...] o ato de agir sobre a natureza transformando-a em função das necessidades humanas é o que conhecemos com o nome de trabalho. Podemos, pois, dizer que a essência do homem é o trabalho”.
Como a essência humana é produto do seu próprio trabalho, podemos compreender que o ser humano se torna humano, isto é, se humaniza-se nesse processo. Logo, para se tornar humano, é preciso que aprenda a produzir sua existência – o que faz do trabalho um princípio educativo.
Ao atuarem como produtores de sua vida material, determinados pelas condições impostas pela natureza, os seres humanos estabelecem, entre si, relações sociais e políticas também determinadas pelas condições de produção.
Além delas, as representações, ideias, pensamentos, formas de interagir e de se comunicar, crenças e valores, em última instância, a cultura, estão intrinsecamente vinculadas à esfera produtiva (Marx; Engels, 2010).
Caso queira se aprofundar nessa discussão, sugiro a leitura do texto de Karl Marx (1991), Formações econômicas pré-capitalistas.
Vamos desenvolver melhor essa ideia:
Ao longo de sua história, e com o aumento populacional, os seres humanos se organizaram de diferentes maneiras para produzir sua existência. Em linhas gerais, nossos antepassados vivenciaram o modo de produção patriarcal, baseado na propriedade tribal do período Pré-histórico. Em seguida, na Antiguidade, a agregação, fosse por contrato, fosse pela subjugação após a conquista territorial, de diferentes tribos na propriedade comunal e estatal, caracterizou o modo de produção escravista. Já na Idade Média, o predomínio da propriedade feudal deu os contornos do modo de produção estamental. Por fim, a propriedade privada dos meios de produção cindiu a sociedade em duas classes antagônicas, os proprietários e os não proprietários, instaurando o modo de produção capitalista no qual estamos inseridos no tempo presente.
Na produção histórica e social de sua existência, os seres humanos criaram também a tecnologia. Com a ajuda de Bertoldo e Mill (2018, p. 596, grifos nossos), podemos compreendê-la como
“[...] habilidade, conhecimento e objetos (meios e procedimentos racionais) que ampliam a capacidade do homem de manipular e transformar o mundo em que vive”.
Em outras palavras, a tecnologia permite ao ser humano a criação de artefatos, sistemas, procedimentos, meios, ferramentas e outros objetos úteis no processo de transformação da matéria, da energia e da informação.
As tecnologias de informação e comunicação (TIC) estão entre as tecnologias criadas pelo ser humano visando o
“[...] armazenamento, a manipulação e a transmissão analógica ou digital de mensagens codificadas pelos mais diversos sistemas simbólicos inventados pela humanidade”
Sendo assim, em cada um dos modos de produção mencionados anteriormente, os processos comunicativos, tipos de mensagens e signos linguísticos que circularam (e circulam hoje) socialmente, com base nas TICs existentes, condicionaram – e condicionam – o pensamento e a sensibilidade, isto é, a cultura dos grupos sociais de sua época e região geográfica.
A esse respeito, Santaella (2003) em seu texto "Da cultura das mídias à cibercultura: o advento do pós-humano", destaca seis eras culturais na história humana:
“[...] a cultura oral, a cultura escrita, a cultura impressa, a cultura de massas, a cultura das mídias e a cultura digital”