O que é práxis?

Ao longo da história, através do capitalismo, a complexidade das operações de trabalho avançou para solucionar as necessidades humanas, mas isso foi fundamentado na valorização do trabalho intelectual em detrimento do trabalho físico. Dessa forma, o trabalho passou a ser referido com base em conceitos abstratos de natureza reflexiva (como valores, moral e ética), com expressivas consequências para a hierarquização entre os saberes teórico e prático.

Essa oposição entre teoria e prática é produto do declínio da categoria práxis. Isto é, conforme Vázquez (2011), a práxis não é um produto da relação entre teoria e prática, mas sim teoria e prática como produto da ação dialética. Assim, a teoria, por mais que tenha tomado por base o próprio conhecimento teórico, sempre é decorrência de uma concepção prática do mundo, ou seja, de uma práxis. 

 

Enquanto a atividade prática pressupõe uma ação efetiva sobre o mundo, que tem como resultado uma transformação real deste, a atividade teórica apenas transforma a nossa consciência dos fatos, nossas ideias sobre as coisas, mas não as próprias coisas. Nesse sentido, cabe falar de uma oposição teoria e prática.

(Vásquez, 2011, p. 241)

Essa oposição é apenas em termos de finalidade, pois são ocupações diferentes e cada uma possui atribuições próprias.

O processo de superação da sociedade dividida, unilateral, do desenvolvimento rompido das individualidades e da humanidade inteira, virá da classe social excluída dos bens materiais e intelectuais. Ao libertar-se da alienação, além dos trabalhadores, a classe dominante também será liberta da ociosidade que a aliena. Na “emancipação do operário está implícita a emancipação humana geral” (Manacorda, 2017, p. 87).

Contudo, para que esse movimento de libertação aconteça, uma das condições é o cuidado com a omnilateralidade no desenvolvimento humano, para o qual é de fundamental importância a reunificação das estruturas da ciência com as estruturas da produção. Para tanto, concorre a educação tecnológica, teórico-prática. Ou seja,

A concepção de homem real não apenas como teórico, mas, sim, como ser prático (ou mais exatamente, teórico-prático) que desenvolve a sua atividade material transformadora como um ser histórico-social. Por conseguinte, a verdadeira caracterização do marxismo tem que ser feita a partir do reconhecimento do lugar central que nele ocupa a categoria de práxis. [...] Partindo dessa concepção de Marx, entendemos a práxis como atividade material humana transformadora do mundo e do próprio homem. Essa atividade real, objetiva, é, ao mesmo tempo, ideal, subjetiva e consciente. Por isso, insistimos na unidade entre teoria e prática, unidade que também implica certa distinção e relativa autonomia. A práxis não tem para nós um âmbito tão amplo que possa, inclusive, englobar a atividade teórica em si, nem tão limitado que se reduza a uma atividade apenas material.

(Vázquez, 2011, p. 398, grifo nosso)

A categoria práxis é contrária à noção de experiência relacionada ao pragmatismo. Como tal, a práxis deve ser necessariamente “apreendida como o princípio filosófico e epistemológico estruturante da formação, do que decorre o trabalho como princípio educativo” (Ramos, 2013, p. 195).

Como podemos observar, o caráter educativo está presente nas formulações marxistas amplas, mas, aqui, nos deteremos nos conceitos de trabalho e práxis e na projeção de um novo homem (re)envolto no processo de humanização. 

A formação pretendida é a emancipação como indivíduo social, omnilateral, fruto da associação do trabalho concreto e do ensino em uma escola essencialmente tecnológica. Não há como desconsiderar que há diversas formas de existir/ser da classe trabalhadora. Por conseguinte, a classe dos trabalhadores, resultante da divisão social do trabalho, constitui-se permeada por diferentes conhecimentos especializados de acordo com as práticas profissionais específicas ou saberes profissionais.

Segundo Sousa Jr. (2009), a educação de base marxista tem os seguintes elementos como pilares: o trabalho, a escola e a práxis político-educativa. Estes atuam em contraposição à realidade alienada/estranhada que preconiza a formação unilateral e a sociabilidade condicionada ao movimento de acumulação do capital. Com isso – e acima de tudo –, pensar a educação na perspectiva de Marx é considerar a importância da práxis político-educativa, com base na perspectiva marxiana de educação e seu caráter educativo das enunciações sobre trabalho, alienação, práxis e transformação social, cuja finalidade é a emancipação social da classe trabalhadora.

Com vistas à emancipação humana (que é possível por meio da ação política abrangente e das práticas político-educativas), a união entre trabalho e educação surge como mediação pedagógica e expressão da função social da escola, articulada como práxis política-educativa em diversos locais do cotidiano e no tempo livre dos trabalhadores, sejam eles família, comunidade, moradia, sindicato etc. 

Parte-se do fundamento do “trabalho como princípio educativo”, considerando proporcionar aos sujeitos educandos o acesso aos conhecimentos oriundos do processo histórico de produção científica, tecnológica e cultural. O propósito de transformação das condições de vida e ampliação das capacidades, sentidos e potencialidades humanas passa indubitavelmente pela apreensão desse movimento, que é compreendido pela produção material, pelas relações sociais nele envolvidas e pelas condições de exploração do trabalho humano – imprescindível à superação da alienação e à construção de uma nova sociedade.

A politecnia e a pedagogia histórico-crítica vão na mesma direção: a formação humana que, sob a perspectiva de Gramsci e da filosofia da práxis, voltam-se à emancipação dos trabalhadores e à consequente transformação da sociedade. A pedagogia histórico-crítica (Saviani, 2005) comporta a síntese da filosofia da práxis, uma vez que tem como fundamento a categoria modo de produção e a orientação voltada aos interesses da classe dominada. Sob o princípio do trabalho, visa a educação omnilateral e politécnica na perspectiva integrada.

No Brasil, a educação profissional integrada enfrenta diversos desafios, refletindo as limitações econômicas, sociais e culturais do país. Propõe-se que a EPT integrada ao ensino médio propedêutico, por meio da articulação entre trabalho, ciência, tecnologia e cultura, seja essencial para superar as contradições decorrentes da estrutura dual do ensino.