Motivos e fatores que implicam o abandono ou a permanência na EPT

O abandono escolar é um fenômeno complexo e multifatorial que tem relação com diversos fatores, podendo ser individuais, coletivos, internos ou externos à escola. Esses fatores estão relacionados entre si de forma dialética, ou seja, não há sobreposição de um fator sobre o outro, já que envolvem contextos sociais, econômicos, políticos e culturais.

Para compreender esse fenômeno na Educação Profissional e Tecnológica (EPT), é importante conhecer os motivadores que têm levado os estudantes a deixar de frequentar seus cursos, bem como aqueles que inferem na permanência estudantil. Enquanto trabalhador ou trabalhadora da educação, pode já ter ouvido alguns relatos de estudantes sobre os motivos pelos quais permanecem ou desistem do curso. Mas você conhece algum levantamento ou acompanhamento realizado em sua instituição para mapear esses motivadores? Esses levantamentos apresentam alguma característica ou perfil de estudante?

Uma pesquisa, realizada por Alexsandra Zanin (2019), com trabalhadores da educação, dentre eles docentes, técnicos da equipe pedagógica e gestores, evidenciou que há uma ausência de sistematização e acompanhamento de dados e de motivadores do abandono e da permanência escolar; a temática, em alguns casos, é compreendida a partir de vivências e trajetórias profissionais daqueles que atuam na educação sem organização, acompanhamento e avaliação dos motivadores.

As experiências e vivências pessoais dos trabalhadores da educação são importantes, mas, para elaborar estratégias para a superação dos elevados índices de abandono escolar, é necessário sistematizar os motivadores que envolvem determinado curso ou contexto, além de compreender os principais motivos que contribuem para a permanência estudantil. É a partir disso que uma reflexão sobre esses fatores se torna possível, a fim de pensar estratégias que atendam à realidade daquele grupo, curso ou instituição.

Identificar e compreender esses motivadores implica refletir sobre as condições de vida dos estudantes. Patrícia Moraes (2023) destaca que os principais entraves para a permanência nas instituições de educação são enfrentados por estudantes que vivenciam em seu cotidiano o entrecruzamento das dimensões de classe, gênero, etnia, origem social, entre outros. Segundo a autora, esses entraves se articulam com as condições que, historicamente, marcam a educação pública no país, como as desigualdades sociais e regionais, a dualidade estrutural, a universalização e a obrigatoriedade tardia dos ensinos Fundamental e Médio, entre outras questões. Assim,

as possibilidades para a fruição do direito à educação se diferenciam a depender do contexto vivido pelos estudantes e pela influência e confluência das diversas variáveis que encontram no seu dia a dia

(Moraes, 2023, p.1).

A seguir, confira, no relato de uma estudante de Curso Técnico Integrado de Nível Médio, como a questão das condições de vida podem apresentar-se no cotidiano da EPT:

Estudante - É um assunto que me dói muito [...] porque é uma coisa que ninguém fala sobre isso [...] realmente é mais complicado pra uma menina preta continuar numa escola do nível que é o Instituto do que uma menina branca da escola particular, entendeu?

(Cotrim-Guimarães, 2022, p.6).

card do curso

Título: A exclusão no cotidiano
Fonte: Cotrim-Guimarães (2022).
Elaboração: Prosa (2025a).

O abandono escolar representa um modelo social excludente e desigual. O relato da estudante negra exemplifica os inúmeros desafios que estudantes racializados, indígenas, mulheres (especialmente as que são mães), trabalhadores, população LGBTQIAPN+, moradores das periferias e em situação de vulnerabilidade socioeconômica enfrentam para permanecer e concluir seus cursos. Percebemos, assim, que no contexto dos cursos técnicos integrados de nível médio, a desigualdade social é um fator relacionado ao abandono escolar, de acordo com Iza Cotrim-Guimarães e Rosemary Dore (2019).

Olhando para esses elementos, Patrícia Moraes (2023) lança luz para a interação entre as condições de vida dos estudantes e as condições institucionais, incorporando a reprodução social como eixo de análise, por entender que essa interação é um caminho profícuo para o fortalecimento da permanência estudantil.

Incorporar a reprodução social nos estudos sobre permanência estudantil contribui para trazer à cena aspectos da vida social dos estudantes que não podem ser ocultados, como o cuidado de si e de familiares dependentes, o trabalho doméstico não remunerado, a dependência ou não de serviços e benefícios estatais, e as negociações estabelecidas na esfera familiar para sustentar a permanência estudantil

(Moraes, 2023, p.7).

Para refletir sobre as condições de vida dos estudantes, a diversidade das juventudes brasileiras e o papel da educação nesse processo, sugerimos que assista ao documentário Nunca me sonharam”, de direção de Cacau Rhoden e produção de Maria Farinha Filmes (2017). A partir dele, é possível refletir sobre a história, bagagem e vivências que os estudantes possuem, analisando o papel da educação para o acolhimento, o sentimento de pertencimento e o fortalecimento da permanência estudantil. No documentário, há diversos relatos, estratégias e práticas educativas que podem inspirar reflexões voltadas para o fortalecimento da permanência de seus estudantes.

É importante pensar que compreender a realidade dos estudantes da EPT é uma estratégia importante para organizar as ações e práticas educativas voltadas para a permanência, como, por exemplo, elaborar ações para acolher os estudantes na instituição e fortalecer seu sentimento de pertencimento, tema que trataremos no capítulo 4. Neste movimento, é necessário considerar a diversidade presente no cotidiano da Educação Profissional, já que, como afirma Gaudêncio Frigotto (2018), dentre os pontos positivos da expansão territorial e interiorização dos Institutos Federais (IFs), está a inclusão de milhares de jovens quilombolas, indígenas e alunos provenientes de estratos populares que jamais teriam ingressado na Educação Profissional ou no Ensino Superior público e de qualidade sem a implantação dessas instituições em suas regiões.

card do curso

Título: Sentimento de pertencimento
Fonte: Prosa (2025b).

O sentimento de pertencimento também é destacado por Fabiane Pacheco, Sandra Nonenmacher e Adão Cambraia (2020). Eles perceberam, em seus estudos sobre adoecimento mental de estudantes de Cursos Técnicos Integrados de nível médio, que a interação entre colegas e servidores auxilia a permanência e o enfrentamento das dificuldades relacionadas ao contexto escolar. Em contrapartida, fatores como dificuldades de adaptação à instituição, dificuldades de relacionamento, bullying e pressão por bom desempenho escolar são elementos causadores de prejuízos ao bem-estar físico e/ou emocional dos estudantes.

Nesta perspectiva, as instituições de educação precisam questionar quem são os estudantes que ingressam em seus cursos e quais são as suas condições de vida, para planejar e implementar práticas educativas voltadas para atender às suas realidades. Conhecer os estudantes permite fomentar ações que possam produzir contextos favoráveis à permanência (Moraes, 2023).