Enquanto trabalhadores da educação, podemos perceber elementos da exclusão em nosso cotidiano a partir dos ou até mesmo nos discursos que remetem a questões históricas, ilustradas em falas como “o abandono escolar sempre existiu”, “essa questão é normal em cursos das exatas” e “desde que eu era estudante, já percebia a desistências de outros alunos”.
A exemplo disso, observe abaixo a fala de um Gestor de um Instituto Federal (IF):
Gestor 4 - Volte e meia há debates sobre isso. Nesses trinta anos [como trabalhador da EPT] teve semanas pedagógicas, já foi assunto e tal. Eu acho que o primeiro problema está nisso: a gente fala, fala sobre o tema, mas a gente não age.

Título: O papel das instituições de ensino no abandono escolar
Fonte: Zanin (2019).
Elaboração: Prosa (2025a).
Perceba como essa problemática se faz presente na EPT, podendo, por vezes, até ser banalizada e naturalizada, entretanto, não se deve tornar “natural” o abandono escolar: é necessário compreender a que modelo de educação esse fenômeno está representando, e, como foi visto no capítulo 1, o modo em que está alicerçado num projeto de educação dual e excludente.
A seguir, apresentaremos alguns recortes históricos da EPT, que permitem a reflexão sobre a construção do abandono escolar e os contextos das criações de políticas públicas que contribuíram para o fortalecimento da permanência estudantil nesta modalidade educacional.
O abandono escolar na história da Educação Profissional e Tecnológica brasileira
O abandono da Educação Profissional esteve presente antes mesmo da criação das primeiras Instituições Federais, em 1909, denominadas na época de “Escolas de Aprendizes e Artífices”.

Título: Escola de Aprendizes Artífices
Fonte: Comunicação Social do Campus Campos Centro (2018).
Estudos da professora Carmem Sylvia Vidigal Moraes (2003) apontaram que, em 1888, nos Liceus de Artes e Ofícios do Estado de São Paulo, o índice de abandono escolar girava em torno de 50%.
De acordo com Moraes (2003, p. 277), desde aquela época e por alguns anos, o Governo de São Paulo, mediante a uma série de medidas sem sucesso, procurou diminuir as altas taxas de abandono escolar, indicando que uma das “maiores dificuldades consistia em encontrar um corpo docente adequado àquele tipo de ensino”. Essa questão também foi apresentada na Educação Federal.
Segundo a obra História do Ensino Industrial no Brasil (1961, p. 185), de Celso Suckow da Fonseca, o abandono escolar vem “de longa data, preocupando os espíritos. Poucos eram os alunos que chegavam ao final dos cursos das Escolas de Aprendizes Artífices”. Outros dois motivadores para o abandono eram a oferta e a demanda de trabalho, visto que, mesmo tendo cursado pouco tempo a Educação Profissional, estes estudantes já conseguiam empregos “melhores” em fábricas e oficinas, pois seus conhecimentos mínimos eram superiores aos dos operários antigos, que nunca haviam cursado em uma instituição de Ensino Profissional.
Contudo, a oferta de Educação Profissional era precária nesse período. Não havia condições adequadas de infraestrutura, nem profissionais qualificados para o exercício da docência, tampouco uma proposta educacional clara de uma escola profissional. Como relata Lucília Machado (1989), só foi possível falar em um Sistema Educacional Brasileiro a partir de 1930, com a criação do Ministério de Educação e Saúde Pública, quando houve uma unificação da Política Educacional e a educação passou a ter diretrizes e normas vigentes para todo o país.
A Constituição de 1937 foi a primeira a tratar do ensino técnico, profissional e industrial, entendido como primeiro dever do Estado e destinado, novamente, para os “menos favorecidos” (Brasil, 1937). O que se observa na organização da EPT da época é um ensino atrelado ao autoritarismo escolar, como o presente na , que instituiu as Leis Orgânicas do Ensino, entre elas, o Decreto-lei nº 4.073/1942, que organizou o ensino industrial e incluiu a educação militar para os homens e educação doméstica para as mulheres, fortalecendo o poder militar no ambiente escolar.
Ainda sobre esse Decreto-Lei, registra-se uma certa preocupação com o turno de oferta dos cursos, como o apresentado no Artigo 57, parágrafo 5º:
Deverão as escolas industriais e escolas técnicas funcionar não só de dia, mas também à noite, de modo que trabalhadores, ocupados durante o dia, possam frequentar os seus cursos
Entretanto, além de que não havia qualquer menção às condições de garantia à permanência dos trabalhadores, a preocupação era voltada para “correções e qualidades morais” dos estudantes. Neste período, Celso Fonseca (1961, p. 280) salienta que “apesar das inscrições terem sido sempre numerosas, as deserções, durante o ano, também o foram e o número dos que chegaram a completar os estudos limitou-se a pouca coisa”.