Avaliação, ideologia produtivista e os discursos economicistas

As perspectivas democrática e emancipatória, com a consideração às concepções e princípios da EPT, devem contribuir para que os processos avaliativos não se percam na burocratização. O que se pretende é que sejam momentos formativos e propulsores de transformação, efetivamente comprometidos com a qualidade social, em sentido diametralmente oposto à lógica economicista.

Temos caminhado na direção de instituições que não mais se pensam como instituição social, mas que atuam como organizações que trabalham com estratégias para o alcance de “bons resultados” estipulados fora dela. A função dessas organizações – o que é preciso ser feito e como deve ser feito – é determinada por agentes externos.

Dentro de uma lógica produtivista e de competição, a noção de formação humana é eliminada, pois, a ação dessa organização operacional passa a ser pura reprodução, uma operação atrás da outra e sem consciência de si, sendo a expressão própria do neoliberalismo (Chauí, 1999).

As soluções criadas são pensadas para problemas empresariais em um processo de privatização das instituições públicas que trabalham com pesquisa e, assim, passam a ter a obrigação de serem produtivas e competitivas. Nada mais distante do compromisso com a formação humana integral e emancipatória.

As avaliações externas e em larga escala têm recebido críticas ao colaborarem para o agravamento desse cenário. Renato Ribeiro e Sandra Sousa (2023), analisando os posicionamentos em torno dos problemas dessas avaliações, apontam para a existência de um embate ideológico entre o discurso economicista e o discurso crítico.

Desse embate, identificam quatro posicionamentos político-educacionais: apoio incondicional, apoio crítico, recusa propositiva e recusa categórica, formando o que eles denominam de “um continuum argumentativo com diferentes gradações de apoio e de recusa às avaliações em larga escala” (Ribeiro e Sousa, 2023, p. 3).

card do curso

Título: Os quatro posicionamentos político-educacionais
Fonte: Prosa (2025c).

No discurso economicista, “a formação escolar está ligada à empregabilidade e produtividade do trabalhador, devendo atender, portanto, à demanda do mercado de trabalho por recursos humanos qualificados” (Ribeiro e Sousa, 2023, p. 3). As avaliações têm a função de monitorar e controlar os sistemas educacionais no alcance de tais resultados, vinculando-se ao ideário da eficiência.

O apoio incondicional a esta perspectiva tem representado a posição hegemônica no debate nacional: “As vozes acadêmicas dessa zona argumentativa fazem-se representar também nos órgãos de pesquisa e de gestão governamental, influenciando fortemente os desenhos avaliativos mais significativos do país” (Ribeiro e Sousa, 2023, p.4).

Os defensores incondicionais desse posicionamento advogam que as avaliações em larga escala são necessárias para o diagnóstico sobre as mazelas da educação, sendo um passo necessário para a definição de padrões a serem adotados para saneá-las. As avaliações são compreendidas como

instrumentos de gestão e planejamento possibilitando a identificação de tendências, a formulação de políticas e otimização de investimentos, com base em evidências confiáveis originadas por metodologias cientificamente embasadas

(Ribeiro e Sousa, 2023, p. 4).

Os resultados impactam desde currículos e materiais didáticos até políticas de carreira, como nas propostas de pagamento de bônus pelo alcance das metas estipuladas. O apelo à opinião pública é considerado um ponto chave desse enfoque.

Os outros três posicionamentos estão vinculados, segundo os autores, à postura crítica originada “pela aliança histórica entre setores da intelectualidade e da burocracia pública com os movimentos sociais da educação, incluindo associações científicas, sindicatos, organizações não governamentais” (Ribeiro; Sousa, 2023, p.6).

Os discursos se colocam desde o apoio propositivo até a rejeição completa das avaliações de larga escala. Entre os primeiros, os principais questionamentos dizem respeito aos usos inadequados dos resultados, como, por exemplo, o estabelecimento de rankings no estímulo à competição entre escolas.

Entre aqueles que recusam de forma propositiva, é feita a crítica incisiva às perspectivas meritocráticas e gerencialistas nas políticas educacionais. Busca-se repensar o lugar dessas avaliações e a sua articulação com a avaliação institucional interna. Uma das proposições críticas diz respeito ao direcionamento das avaliações não para as escolas, mas para as políticas públicas educacionais. O embate tem se dado principalmente em relação à intencionalidade de controle ideológico pelas grandes corporações privadas.

Nesse grupo, os autores identificam nos estudos de Luís Carlos Freitas os seguintes impactos negativos das avaliações na escola pública, decorrentes da junção da responsabilização com a meritocracia:

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Título: Impactos negativos das avaliações
Fonte: Ribeiro; Sousa (2023).
Elaboração: Prosa (2025d).

No posicionamento de recusa categórica, os argumentos se fundamentam na compreensão de que a mensuração pontual, realizada nas avaliações externas em larga escala, não traz impactos positivos sobre a qualidade da educação. Mas, que atua como legitimadora do dualismo estrutural: uma escola para pobres (currículo mínimo) e outra para a formação da elite econômica.

Esse processo avaliativo, portanto, contribui para legitimar as ingerências nos sistemas educativos e nas escolas, com a autonomia cedendo lugar à lógica do mercado, à naturalização das desigualdades educacionais e à responsabilização dos trabalhadores por sua desatualização tecnológica e profissional (Ribeiro e Sousa, 2023). Ao invés dessas avaliações, é proposto o engajamento em projetos de ensino, pesquisa e extensão, que favoreçam processos de autoavaliação, compreendida como tática de resistência às avaliações externas e, também, como estratégia de promoção da qualidade social.