Por uma avaliação da EPT

A EPT possui características socioeconômicas plurais e demanda formas avaliativas próprias decorrentes de suas especificidades. Não raro, notamos a transposição dos modelos da Educação Superior e da Educação Básica. No entanto, as finalidades que orientam a EPT, as demandas que dão base a suas ofertas, as características da infraestrutura para seu funcionamento, as especificidades dos públicos a quem se destina e a pluralidade de seu quadro docente e técnico, entre outros aspectos, requerem que pensemos em categorias analíticas específicas e modelos avaliativos mais adequados. Esse processo demanda esforço de pesquisa, em que a participação docente é imprescindível.

Para refletir: a avaliação e o professor

Título: O professor e a avaliação de sua prática
Fonte: 
TV Cultura (2021).

Na entrevista acima para a TV Cultura, Paulo Freire (1993) destaca o papel e o desafio do docente de participar da avaliação de sua prática. Freire lembra que programar exige reformular a partir do ato de avaliar. Que desafios e possibilidades você encontra em processos de autoavaliação de sua prática docente na EPT?

Não deixe de registrar suas ideias em seu Memorial e/ou seguir as instruções de seu professor e/ou tutor.

Dependendo das características da instituição de ensino, a avaliação da EPT será pautada pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) ou pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), ou ambos, se a instituição atuar nos dois níveis de ensino como no caso dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF). Embora o Ministério da Educação (MEC) conte com o Sistema Nacional de Informação da Educação Profissional e Tecnológica (Sistec) e venha desenvolvendo estudos sobre a avaliação da EPT, não há, ainda, um modelo específico para essa modalidade de ensino.

Questões mais amplas do campo da avaliação também devem ser enfrentadas, entre elas, as implicações conceituais, ideológicas, éticas e políticas dos diferentes modelos e instrumentos de avaliação. Por exemplo, o predomínio da ideologia produtivista que opera como mecanismo de dominação e controle na forma de um poder simbólico. Um outro exemplo são determinados usos dos resultados das avaliações em larga escala, como os rankings, que muito pouco informam sobre a qualidade das instituições e dos cursos em termos de vinculação com as demandas sociais por cidadania e emancipação. 

 

Concepções e princípios da EPT e processos avaliativos

Nos capítulos anteriores, foram apresentados os princípios educativos assumidos na Política Nacional de Formação de Profissionais para a Educação Profissional e Tecnológica. Agora, eles serão guias para as reflexões acerca da avaliação e o que seria qualidade na EPT.

A formação humana integral: com base nesse princípio, almeja-se que as ofertas educativas estejam voltadas para a formação humana em todas as suas dimensões e potencialidades, contribuindo para a superação da divisão entre trabalho manual e intelectual. Essa dicotomia é marcadora de um processo histórico de divisão social do trabalho de caráter alienante, de exploração e dominação de grupos humanos sobre outros.

Atuar na direção da formação integral é buscar a superação dessa separação, colaborando para a formação de pessoas capazes de intervir no mundo por meio de seu trabalho com competência técnica-estética-ética-política , como intelectuais, dirigentes e cidadãos.

A instituição de ensino, por meio de seus cursos e demais atividades formativas, tem contribuído para a formação integral de seus estudantes? Que modelos e instrumentos de avaliação permitiriam verificar o avanço institucional e seus percalços na promoção dessa perspectiva formativa?

O trabalho como princípio educativo: por esse princípio, assumimos que o conceito de trabalho é central na organização das atividades educativas desenvolvidas pela instituição de ensino. Tomamos esse conceito tanto em sua dimensão ontológica (o trabalho como atividade especificamente humana que nos constitui como seres humanos) quanto em sua dimensão histórica (as formas assumidas pelo trabalho nos diferentes tempos históricos).

A tomada do trabalho como princípio educativo diz respeito a uma visão de mundo em que os seres humanos são compreendidos como produtores da realidade em que vivem e, portanto, competentes para reclamar essa realidade para si e de intervir sobre ela para modificá-la. Ou seja, os seres humanos são sujeitos de sua história e de sua realidade.

Dito isso, é essencial que nos perguntemos: o trabalho tem sido tomado como conceito fundamental na organização curricular, na seleção de conteúdos e metodologias? Temos problematizado as soluções técnicas e tecnológicas de nossa época e instigado a busca por outras mais adequadas às demandas de nosso tempo? E, principalmente, a EPT tem colaborado para a continuidade do trabalho alienado ou promovido sua compreensão como instrumento de emancipação?

A prática social como produtora do conhecimento: por esse princípio, assumimos que o conhecimento é produzido socialmente ao longo da história humana, integrado por saberes de distintas naturezas. A adoção desse princípio deve nos levar a não hierarquização do conhecimento, mas nos conduzir à busca de sua compreensão, problematizando-o e significando-o em relação à realidade.

Nesse sentido, pressupõe-se colocar em relação os saberes adquiridos em diferentes dimensões da vida social, instrumentalizando os estudantes com conhecimentos sistematizados constituintes do patrimônio científico produzido pela humanidade, a fim de que possam retomar a prática social em níveis mais elevados de compreensão e capacidade de intervenção, na perspectiva de uma práxis reflexiva e criativa.

Com isso em mente, devemos nos perguntar: utilizamos a prática social como referência nas atividades formativas? Temos dialogado com o conhecimento produzido e sistematizado de outras formas, como aqueles nascidos das culturas dos trabalhadores, os saberes populares e tradicionais? As políticas institucionais, programas e cursos são coerentes com esse princípio?

A indissociabilidade das dimensões do processo educativo: esse princípio assume que, no processo educativo, as dimensões do ensino, da pesquisa e da extensão são indissociáveis. Essa concepção pressupõe que o ensino não é mera transmissão de conhecimentos, que a pesquisa não se resume à Pós-Graduação na formação de pesquisadores em sentido estrito e, ainda, que a extensão não se limita a prestação de serviços ou intervenção autoritária sem conhecimento do território e sem diálogo com este.

Essas dimensões possuem suas especificidades, mas devem integrar-se quando buscamos a formação humana integral. Sob essa ótica, a pesquisa é tomada como princípio pedagógico na promoção da autonomia intelectual dos estudantes, e a extensão é a vinculação às questões e demandas sociais contemporâneas pela vivência, ou seja, a compreensão e a ação sobre a realidade.

Cabe, então, perguntar: temos feito da pesquisa e da extensão instrumentos de significação no processo de ensino-aprendizagem? As políticas e programas institucionais colaboram para a realização do processo educativo nessas três dimensões (ensino, pesquisa, extensão)?

Os educandos como produtores de conhecimento: por esse princípio, assumimos que o desenvolvimento da autonomia e a produção do conhecimento devem ser incentivados por meio do ensino-pesquisa-extensão.

A instituição tem viabilizado projetos e outras ações formativas que contribuam para o desenvolvimento da criticidade e da autonomia intelectual? São incentivadas a postura investigativa, a identificação de problemas contemporâneos e a reflexão sobre formas de ação coletiva para solucioná-los? São viabilizadas a iniciação científica e a prática extensionista para os estudantes?