Práticas e desafios
Em uma perspectiva emancipatória, como na vivência descrita, a constituição do plano de estudo deve tomar por base questões relevantes da realidade atual e do trabalho. Processos dessa natureza exigem capacidade de auto-organização individual e coletiva e uma abordagem democrática, em que os estudantes tenham liberdade de iniciativa (Machado, Silva e Souza, 2016).
No entanto, as práticas mais comuns e recorrentes têm apresentado uma crescente burocratização com o predomínio de provas e exames centrados na memorização, em uma avaliação de caráter classificatório. Francilete Gomes, Josinelde Silva e Camila Moreira (2015) indicam que tais práticas estão relacionadas a um modelo conservador e autoritário, em que a educação é compreendida como mecanismo de manutenção e reprodução das condições sociais. O rompimento com tal modelo excludente não é tarefa simples em função de ser uma cultura profundamente assimilada, com a tendência de reprodução inconsciente desses padrões por parte dos docentes.
Título: A avaliação e a memorização
Fonte: Prosa (2025g).
No entanto, na perspectiva emancipatória, é demandado do estudante a compreensão da realidade para agir criticamente com base no compromisso ético-político de transformação social. A avaliação deve, portanto, ser coerente com esse direcionamento.
Lílian Wachowicz (2014), ao tratar das diferentes técnicas de avaliação da aprendizagem profissional e suas respectivas formas de registro, indica a importância da verbalização como instrumento de aprendizagem. Para a autora, ao verbalizar sua compreensão, o estudante passa por uma “progressiva tomada de consciência” quanto a seu processo de aprender. Esta seria a primeira técnica de avaliação e sua utilização contribui para a metacognição.
Outra técnica sugerida é a autoavaliação, destacada como a mais democrática. Esse tipo de avaliação ocorre sempre de forma explícita ou implícita, espontânea ou sistematizada. O autoanalisar-se pode ser altamente formativo e, quando realizado de forma orientada, permite o estabelecimento de nexos que talvez não se encontravam no horizonte do estudante. A vivência relatada neste capítulo faz uso dessa técnica, tendo o Memorial como instrumento de registro cotidiano por parte do discente.
Os processos de reconhecimento e certificação de saberes profissionais realizados por alguns Institutos Federais implicam um tipo de avaliação de conhecimentos desenvolvidos em aprendizagens ocorridas em diferentes espaços sociais. Tais processos combinam técnicas, momentos e instrumentos avaliativos diversificados, com a previsão de várias ações voltadas a assegurar o atendimento adequado no desenvolvimento do processo avaliativo e de certificação, inclusive às pessoas com deficiência.
Nas várias etapas do processo, é prevista uma de acolhimento, voltada à apresentação do processo, uma entrevista diagnóstica para o levantamento da história profissional e educacional do trabalhador, na composição de um memorial socioprofissional. Dessa forma, pretende-se, nesse momento, a construção de um ambiente de interação, confiança e pertencimento (Brasil, 2024b).
A etapa de avaliação propriamente possui caráter diagnóstico e formativo, abrangendo a realização de atividades teórico-práticas em ambientes escolares ou no ambiente de trabalho. Essa etapa é seguida da certificação, entendida como o momento de efetivação do registro e emissão dos documentos pertinentes (histórico escolar, diploma, certificado ou atestado de reconhecimento).

Título: Etapas do reconhecimento e certificação de saberes profissionais
Fonte: Prosa (2025h).
Esse exemplo nos traz alguns pontos para reflexão, dos quais destacamos: a perspectiva inclusiva; o esclarecimento de regras, etapas e procedimentos; a necessidade de um ambiente adequado e acolhedor; a realização de atividades avaliativas teórico-práticas. Historicamente, a avaliação tem assumido um caráter excludente, Assim, a perspectiva inclusiva pressupõe a adequação do processo às necessidades dos estudantes; cada um desses elementos visa a coerência entre a proposta pedagógica e o processo avaliativo.
Técnicas como a observação, a apresentação de trabalhos em equipe, a autoavaliação, a entrevista, a prova escrita, o portfólio, o diário e os trabalhos escritos individuais também podem ser utilizadas com o cuidado de que elas não são escolhidas aleatoriamente, sendo o seu uso derivado do método aplicado à avaliação da aprendizagem. As relações entre os instrumentos é que devem orientar as decisões, com a exigência de rigor no cumprimento das técnicas elegidas. O docente seleciona técnicas de avaliação de acordo com sua adequação ao trabalho de aprendizagem em sua disciplina, utilizando, em geral, combinações de diferentes técnicas.

Título: Diferentes técnicas no processo avaliativo
Fonte: Gescom (2024b).
Wachowicz (2014) também indica a intersubjetividade como um modo de lidar com o caráter subjetivo da avaliação. A clareza e rigor na condução do processo, e a criação de espaços de socialização (em que se colocam em diálogo as várias subjetividades), permitem imprimir maior objetividade ao processo avaliativo. O registro, por parte de discentes e docentes, é ponto essencial para o acompanhamento adequado e uma avaliação bem embasada. Fichas individuais, diários, memoriais e relatórios funcionam como ajuda à memória e evitam a armadilha de julgamento com base em uma percepção difusa.
No texto Avaliação da aprendizagem profissional (2014), a Profa. Lílian Wachowicz traz vários exemplos de práticas avaliativas que podem servir de inspiração. Com esse mesmo intuito, compartilho uma prática que tenho utilizado nas disciplinas que ministro no curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB). Essa prática tem sido aperfeiçoada nos últimos três anos com a colaboração dos discentes que, ao final de cada período letivo, fazem uma avaliação das estratégias de ensino utilizadas, apresentando críticas e sugestões de melhoria.
Nesse caminho, optamos pelo desenvolvimento de trabalhos em equipe que exigem cooperação, entre os quais tem se destacado a realização de eventos de extensão planejados e organizados pelos próprios . No final de cada evento, é realizada uma com toda a turma para sistematização dos debates e verificação dos resultados alcançados. Nessa avaliação, são considerados os seguintes parâmetros: autonomia de trabalho e capacidade de autogestão do grupo; envolvimento, participação e colaboração dos membros; domínio do conteúdo abordado; pertinência e propriedade das reflexões e contribuições para o aprofundamento dos debates na disciplina.
Além da avaliação dos colegas, os integrantes do grupo fazem uma autoavaliação, refletindo sobre o processo de planejamento e realização do evento e sobre os aprendizados individuais e coletivos. O registro do debate é realizado pela docente (em uma ficha própria) e por um discente voluntário. A aula seguinte tem início com uma retrospectiva do que foi trabalhado no evento e a apresentação de um resumo da avaliação realizada.
Por fim, é importante ter em mente que os critérios avaliativos estão sujeitos à mudanças em função das tensões e contradições inerentes às relações sociais e que, “principalmente, existe uma agenda oculta que é poderosa e somente se revela nos momentos da avaliação” (Wachowicz, 2014, p. 111).