Especificidades da EPT

No capítulo 3, abordamos algumas especificidades da EPT, destacando a tecnologia como a primeira delas. Assumimos que a EPT se distingue por ter na tecnologia seu objeto de estudo e intervenção. Ocupa-se da atividade humana do trabalho e do uso dos produtos ou dispositivos produzidos pelos seres humanos para a expansão de suas capacidades (motoras, cognitivas etc.).

Se o ensino-aprendizagem na EPT se volta para a compreensão dos processos de intervenção humana no mundo, a técnica, como uma dimensão do saber ou um tipo específico de conhecimento, exige um tratamento didático próprio (Wachowicz, 2014). E, por conseguinte, a consideração de categorias presentes nas relações sociais: a contradição, a historicidade e a totalidade.

A compreensão das relações parte-totalidade e teoria-prática é um ponto crítico nos processos avaliativos na EPT. Dissemos anteriormente que a metodologia de avaliação da aprendizagem decorre da metodologia de ensino. Práticas avaliativas na direção da práxis implicam uma abordagem metodológica na mesma direção. 

Vimos antes a metodologia proposta no âmbito da pedagogia histórico-crítica, em que o trabalho pedagógico é dividido em tempos de problematização, instrumentalização, experimentação, orientação, sistematização e consolidação. Essa proposição é adotada nos referenciais deste curso e mantém coerência com os instrumentos avaliativos indicados na vivência descrita no início deste capítulo.

Todavia, algumas armadilhas estão presentes nesse caminho. Uma delas é a pretensão de reprodução, no espaço escolar, de lógicas próprias do espaço laboral. Escola e trabalho são espaços formativos com potencialidades e limites. Devido às finalidades e lógicas de cada um desses espaços, estudantes e trabalhadores se relacionam com o conhecimento de formas distintas:

no espaço escolar tende-se a valorizar o conhecimento cristalizado nas disciplinas acadêmicas enquanto na atividade os saberes se encontram integrados e a exigência de gestão da distância entre o trabalho prescrito e o trabalho real impõe ao operador a reconfiguração dos saberes de forma situada e finalística. Em qualquer situação, há certa reelaboração dos saberes pelo aprendiz, mas o meio e as relações sociais nele estabelecidas modifica a perspectiva epistemológica. O trabalho real se impõe trazendo em si aquele tipo de experiências psíquicas governadas pela atividade de que fazem parte

(Silva, 2016, p. 208).

 

As características e finalidades do espaço escolar e o tempo regimental de um curso impõem alguns limites ao processo de aprendizagem. Não há o tempo necessário ao domínio e à internalização do aprendizado no mesmo grau que é possível atingir-se na atividade profissional. E nem é esse o propósito. Por outro lado, é espaço privilegiado para o desenvolvimento da reflexão e tomada de consciência pretendidos na práxis.

Na situação de trabalho real, os dados são traduzidos e refundidos, o conhecimento se encontra integrado e seu compartilhamento – diferentemente do currículo escolar onde o conteúdo se encontra- pré-definido e ordenado de acordo com uma programação – dá-se em processos “não lineares, matriciais e mais ou menos aleatórios” em função das finalidades da ação. Nesse processo, o profissional “vai aprendendo a transformar suas aprendizagens iniciais ultrapassando-as, ampliando sua perícia e competência” (Silva, 2016, p. 200).

card do curso

Título: Ambiente, aprendizado e tempo
Fonte: Prosa (2025f).

Outra armadilha é a tomada do conteúdo disciplinar cristalizado e dissociado do mundo do trabalho, com a perda de sentido. Acácia Kuenzer (2004), analisando a relação teoria-prática em uma formação realizada com trabalhadores de uma fábrica, relata que estes rejeitaram a teoria trabalhada nas disciplinas consideradas básicas, uma vez que nas atividades de ensino prevalecia “a postura que toma por objeto o conhecimento sistematizado no seu mais alto grau de abstração e generalidade” (p. 9). Ou seja, a teoria se encontra descolada do movimento de sua construção, “que articulou inúmeros e diversificados movimentos do pensamento coletivo e deu-se em um determinado tempo e espaço para satisfazer uma determinada necessidade da existência humana” (Kuenzer, 2004, p. 9).

A ausência de significado ocorreu pela desconexão com a prática, com a historicidade e pela abordagem do conhecimento em sua expressão mais formalizada e estática. A autora conclui que essa desconexão está na origem das críticas feitas à escola, pelo fato de os alunos não serem capazes de “relacionar os conteúdos das disciplinas com as relações sociais e produtivas que constituem a sua existência individual e coletiva” (Kuenzer, 2004, p. 9).

Esse afastamento histórico da escola da cultura dos trabalhadores apresenta ainda outra faceta: a não compreensão de outras formas de sistematização de saberes que ocorrem para além dos processos educacionais formais. Trata-se de um ponto particularmente delicado considerando a demanda por reconhecimento e validação de saberes adquiridos na vida profissional.

No meio acadêmico, esses saberes tendem a ser esvaziados de seus sentidos e destituídos de validade, com consequências sobre “as possibilidades de reconhecimento e legitimação dos conhecimentos produzidos no e para o trabalho” (Brasil, 2024b, p. 37). Processos avaliativos nesse campo requerem o desenvolvimento de estratégias de sistematização e verificação desses conhecimentos.